Atualização 062 - EM CIMA DO TELHADO
BIOGRAFIA
DAQUI DE CIMA
Lucio Costi Ribeiro
Que o céu seja sempre azul para você, meu jovem amigo;
e até na hora, que me chega agora, em que os bosques já
são sombrios, em que a noite desce rápido, você se consolará
como faço eu, olhando para o céu. 
(do personagem Sr. Legrandin, de O Caminho de Swann, Marcel Proust)

Aos 30 anos, ainda subo neste telhado, embora já sem a destreza de antes. Daqui de cima já não vivo aventuras imaginárias, guerras espaciais, espionagens nem mesmo trago mais revistas eróticas. Nua, agora, só a alma. Subo apenas para contemplar, não mais para descobrir.

O que contemplo daqui vale bem mais do que os séculos que contemplam o visitante das pirâmides, é vista da minha vida, ainda pela metade.

Metade, porque estou no meio da minha expectativa de vida, segundo as estatísticas. Metade, porque sempre poderíamos ser mais vivos. Mas, sempre metade pulsante, audaz e emocionante.

Daqui de cima olho a paisagem e vejo o que passou. 

Relembro as aventuras de criança, sem medo de cair. Revivo os esconderijos da adolescência, enfrentando os perigos. Já sinto receio de me machucar ou me chamarem de louco.

Aos meus olhos de dentro, aparecem todos que por mim passaram, ou por quem passei. As marcas que ficaram se tornam mais aparentes (nunca diria todas as marcas, ainda muitas virão), tanto as dos que não mais aparecerão, quanto as dos que ficaram.

Todos os conflitos, resultado das parcas 3 décadas, crepitam, não sei se no coração ou na mente. Deus talvez não suba comigo, pois acho que Ele também me deve explicações, talvez isso o tenha zangado.

Pelo menos não trago inimigos, nunca os cultivei. Desavenças sim, espero que todas com a ternura possível.

Quanto aos amigos, sinto suas mãos impulsionando meus pés, como fazemos para espiar ou pular o muro e surrupiar frutas doces, mesmo quando imaturas, do quintal do vizinho. Cheguei aqui em cima só, eles ficaram lá embaixo ou foram para seus telhados. Mais tarde, trocaremos confidências e impressões.

Família, mesmo longe, não se afasta, quase que sobe comigo com seu peso e apoio, não fosse pela privacidade do ato, viria. Somos um, ainda que parcial, mas intenso.

As almas desencarnadas (porquê?) também vêm incrustadas, como a revolta pela injustiça da partida e o medo da possibilidade.

No bolso, me pesam as angústias das escolhas, como se fossem pedras que atirava nos passarinhos.

A profissão é uma delas. O passarinho, disso eu não sabia, sou eu. Nos primeiros vôos, os aplausos. Agora, se me vigiam não é para me proteger, mas para me julgar. "É hora de voar tão alto quanto prometias!" Não sei se tenho asas, mas não me furto!

Os amores deixados, também são pedras pontiagudas no bolso das calças. Alguns até parecem que furaram o forro e escorreram. Outros joguei o fora para me aliviarem o peso. Decisões sem nenhuma medida da razão, tenham sido certas ou erradas.

Ah, mas no bolso da jaqueta, trago doces. Balas, merengues, chocolates, marias-moles!!! Cuido para que não amassem, serão devoradas com muita satisfação. Representam sucessos, amores, choros felizes e abraços quentes de gente querida!

Enquanto o açúcar desce pela garganta, deito sobre as telhas e mesmo que elas firam minhas costas, insisto: "mas este céu está tão azul!".

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