Atualização 062 - EM CIMA DO TELHADO
BIOGRAFIA
CIRCUNLÓQUIO
Lena Chagas
Quem me conhece, sabe: não gosto de meias palavras, rodeios ou panos quentes. Prefiro que me digam as coisas de uma vez só, sem floreios nem entremeios. Tanto as notícias boas, como as ruins. Sem homeopatia ou complacência.

Mas nem todas as pessoas lembram disso, a tempo. Outras tantas, nem sabem desses detalhes. E entre essas, conheço umas especialistas. Especialistas em dar notícias. 

Algumas precisam contar uma historinha antes, com ou sem nexo, para depois chegar na propriamente dita. Outras, talvez mais sentimentais, tentam poupar o ouvinte de uma má notícia, dando-lhe uma boa, antes. Também há as que gostam de entrar em detalhes, que montam um cenário e até representam o que têm a dizer. E existem aquelas que nos mandam adivinhar a boa nova. Ou, ainda, as que já chegam dizendo que não vamos acreditar no que aconteceu. 

Mas também há quem goste de ser o porta-voz da notícia ruim; tem preferência pela má notícia, aquela que ninguém quer dar. Aparentemente solidário, antecipa-se e se oferece em sacrifício para transmiti-la. No fundo, sente um enorme prazer em ver o sofrimento ou a frustração de quem a recebe. Não acredita? Houve um tempo em que eu também não acreditava. Exceções, doentias exceções.

Por outro lado, quase no outro extremo, estão aquelas pessoas que vão direto ao ponto. Sem papas na língua. Se doer, assopra. Às vezes são tão diretas que até me assustam. - Quem mandou? Agora, agüenta! 

Exageros à parte, notícias sempre chegam. As boas - não sei por que - demoram um pouco mais; as más chegam voando. Às vezes, já estão nos esperando. 

Naquele 31 de dezembro, foi assim. Quando cheguei no trabalho, alguém já me esperava, na minha sala. Nem imaginava qual poderia ser o assunto já àquela hora, antes das 9 da manhã. O expediente seria reduzido - das 9 ao meio-dia -, para que todos pudessem participar da confraternização oferecida aos funcionários. 

Disse um bom-dia com o sorriso de sempre, perguntou se estava tudo bem e pediu que eu sentasse. Não conseguia disfarçar seu olhar de expectativa, enquanto eu puxava a cadeira e lhe respondia. Esperava por algo mais. Bem mais do que eu, que ignorava o que lhe causara tanta satisfação. 

Percebendo minha inquietação, tratou de prolongar aquele mistério e aguçar minha curiosidade - que já era maior em relação ao seu comportamento do que à novidade que ele insistia em me mostrar com tanto vagar -, saboreando cada palavra que dizia, sem revelar o assunto.

Depois de muitos rodeios, uma pista. Só então pude perceber do que se tratava. Na medida em que ouvia suas palavras, eu murchava como uma chama de vela, quando lhe falta o oxigênio. Em poucos segundos, desmoronei. Mesmo assim, impossível não flagrar o deleite que transbordava dos seus olhos, enchia seus gestos e fluía no tom de sua voz. Era prazer. Puro prazer. Desonesto prazer. 

Saiu saciado, não antes de me desejar um feliz ano novo. Das horas seguintes, não lembro de nada. De alguns anos, esqueci. Afinal, já faz tanto tempo! 

Trauma? Quem sabe? Só sei que sou avessa a circunlóquios!

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