Atualização 062 - EM CIMA DO TELHADO
BIOGRAFIA
A TELHA DE VIDRO
Juraci de Oliveira Chaves
Do alto onde estava, em cima do telhado, procurava algo em todas as janelas de vidro. Varava as cortinas na busca de um desenho em qualquer formato. Forçava a mente, o pensamento e nada. Desejava ver o invisível, distante.

A mãe incomodada com a presença freqüente do rapaz sobre o telhado, ordenava:

- Desça daí rapaz, não há nada em cima desse telhado que possa lhe agradar.

Ela não sabia o que ele buscava. Sempre estava a pular a janela do apartamento e acomodar-se no telhado ao lado. Acreditava achar aquilo que procurava mais cedo ou mais tarde. Sentia uma sensação de presença e não presença ao mesmo tempo. Sentou-se nas telhas e procurou fugir de si mesmo, adormecer. Fixou o olhar no céu rabiscado de nuvens brancas, formando com elas, imagens místicas, que em fração de segundo, lhe escapavam do quadro imaginário: "Será que os anjos estão a brincar comigo?".

Voltou a refugiar dentro de si, a meditar sobre a reportagem que viu na tevê, noite passada. Ficou impressionado com tanta gente a fixar o desenho refletido num vidro da janela. Bem ali, na cidade vizinha, cortada pelo rio. Noutras também. Muitas janelas de muitos lugares, não na dele. Sentiu arrepios estranhos e começou nova busca pelos vidros das casas paralelas. Buscava...

O quê mesmo? Não sabia. Ou sabia?

Repentinamente o seu olhar parou curioso sobre uma telha de vidro que fora colocada ali para clarear o sótão, no térreo.. Tantas telhas e só ela diferente, de vidro? Só agora percebia. Toda empoeirada quase escondida e embaçada. Chegou mais perto, olhar atento, penetrante. O coração batia forte parecendo um zabumba fora do ritmo. Um contorno estranho se realçava. Questionou o desenho e ficou assustado. Parecia ver uma fada, um quadro feminino, uma princesa. Confundia-se. Com mãos trêmulas fez carinhos naquela gravura que lhe chamou a atenção. Concentrou-se. Fechou os olhos... Ouviu uma melodia suave que lhe trouxe a calma. Sentiu um abraço envolvente, protetor e aconchegante. Uma paz. De onde? De quem? Não encontrou respostas para suas indagações. Elevou os pensamentos aos céus e rezou. O vento brando acompanhou o sol que se despedia, dando espaço para a chuva fina que se aproximava. Forçado a descer do telhado, debruçou-se na janela e ficou a observar a água da chuva lavando a telha de vidro e a tinta do quadro da sua falsa visão.

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