NO
TOPO DO MUNDO
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Daniela
Belmiro
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"Aliiiiiiiice!"
Os vizinhos estavam acostumados com o agudo do 'I' esticado e com a pontualidade do grito, sempre às 5 e meia da tarde. "Onde você se meteu, menina? O jantar está quase pronto!" O lenço na cabeça da tia era um pontinho vermelho lá embaixo, na soleira da porta. Depois vinha a alameda estreita da vila, às vezes com a meninada brincando, depois os telhados dos vizinhos de frente, depois o mundão escorrendo morro abaixo no lusco-fusco do entardecer. Ela nem lembrava mais como tinha descoberto o jeito de subir, por trás da casa, mas sabia que era ali que para sempre passaria seus fins de tarde. O telhado era o trono de onde ela, rainha, já não tinha a timidez de menina-moleca e comandava o seu mundo de pessoinhas que passavam como formigas na alameda, os carros que zuniam de faróis acesos lá adiante na avenida, as estrelas acendendo aos poucos no céu espelhadas pelas luzes a perder de vista. Sentindo o calor que o sol generoso deixava para ela nas telhas de barro, pensava na vida, ruminava seus muitos planos de futuro ou simplesmente chupava laranjas, deixando escorrer o caldo que fazia respingos nas telhas ali onde eram bem raros os pingos de chuva grossa. "Alice?" A voz bem mais grave e o 'I' tão contido e a mão pesada no ombro a trouxeram de volta. "O que deu em você, mulher?" E ela ali, ainda meio atônita, olhando fixo o terreno revirado pelas escavadeiras e aquela placa: "Breve - Residencial Quinta da Rainha - Reserve Já a Sua Unidade". |
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