EM
CIMA DO TELHADO
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Carlos
C. Alberts
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Este
é o meu território. Aqui eu sou o rei. Vejo tudo, vejo longe. Aqui não tenho
medo de nada. Só meu igual ousa subir e me enfrentar.
Nas poucas horas do dia em que passo acordado, é noite. E eu estou aqui. Em cima do telhado. Gosto de sentir as diferentes texturas das telhas. As inclinações. Gostaria de poder ouvir o som dos meus passos (mas sei que não seria muito saudável). Não dependo disso, mas poderia tirar meu sustento deste lugar. Às vezes faço isso. Só por diversão. Mas não há só diversão. Existe, também, o tempo da guerra. Mais ou menos uma vez por mês, inexplicavelmente, o teor das mensagens que troco com meu igual vai ficando mais ácido, mais amargo, mais irônico. Ele já não é meu igual. É rival. Eu o odeio. Ele me odeia (percebo pelas mensagens). Além de mais violentas, nossas mensagens se tornam mais freqüentes, depositadas em locais cada vez mais próximos. Inevitavelmente, nos encontramos. Em cima do telhado. É noite, mas o vejo de longe. Sei que não devo avançar. Ele também parece hesitar. Mas não podemos evitar. A guerra começou. Ele dá um passo. Eu dou dois (ainda hesitantes). Mais passos. Estamos próximos. Consigo ver bem seus olhos. Nem um traço de amizade, nada de tolerância. Só ódio. Começamos a dança. O primeiro movimento é o não movimento. Parece uma brincadeira de criança: quem se mover primeiro perde. Depois, exatamente ao mesmo tempo, nos movemos rodeando um ponto central imaginário entre nós, numa coreografia terrível. Linda. Ele está a apenas um milímetro mais distante que o alcance das minhas armas. Eu mantenho a mesma distância das dele. Ele perde a paciência e ataca. Cedo demais. Aplico um golpe em sua face, muito perto do olho esquerdo. Ele ainda tem tempo de contra atacar e acerta meu queixo. Mas levou a pior. O sangue atrapalha sua visão. Tem poucas opções e decide recuar. Eu avanço e ele corre. Não o persigo. Sei que tive sorte. Mas ele voltará. Durante o tempo da guerra, fico até três dias sem dormir. Vi meu rival durante o dia. O ferimento na face é visível. Ele não evita meu olhar mas continua seu caminho. Como toda guerra, a nossa tem um motivo. Mas, como em toda guerra, nos esquecemos dele durante as batalhas. Agora posso me concentrar no objetivo. Um corpo esguio (que adoro sentir sob o meu), contatos suaves, penetração difícil e rápida, o prazer intenso e momentâneo. Mais que um vício. Se eu fosse vidente saberia que vou morrer por causa dessa guerra. Um dia não vou ter sorte e meu rival vai me acertar e me perseguir e me matar. Neste dia talvez eu inveje meu irmão que voltou da clínica sem duas pequenas partes do corpo. Agora não se interessa mais pela guerra ou por seu objetivo. Está tão gordo que quase não vem mais ao telhado me ver. Ele vai viver muito tempo. Mas não terá a glória de ver o reflexo do luar sobre o seu pêlo preto brilhante. Ele nunca vai ser o rei do território. Em cima do telhado. |
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