EU TE AMO, QUEM?
Roseli Pereira
Juro pra você que eu amo o amor. Que eu adoro um filminho romântico na sessão da tarde. Que eu fico comovida em tudo o que é casamento. Que eu choro de emoção até em final de fotonovela. Que eu acho maravilhosas as declarações apaixonadas. Mas confesso que estou até agora tentando entender por que cargas d‘água o capitão da nossa seleção penta-campeã foi falar justamente "Regina, eu te amo" bem naquela hora.
É claro que toda hora é hora de amor e que toda hora é hora de amar. Mas será mesmo que ele não poderia ter deixado a declaração pra trinta segundinhos mais tarde? Ele bem que poderia ter dito "Regina, eu te amo" em todas as entrevistas que vieram depois. Poderia até ficar repetindo "Regina, eu te amo" de meia em meia hora, em rede nacional, que eu iria achar lindo. Mas tinha que ser bem naquele instante?
Já pensou se o Pero Vaz de Caminha, ao invés de "Neste dia, a hora de véspera, houvemos vista de terra...", tivesse começado seu relato com "Regina, eu te amo"? Pois aposto que até hoje Portugal não teria descoberto a gente aqui. E que bastaria el Rey interpretar errado a caligrafia dele, para a rainha levar um belo corretivo.
E já imaginou a cara dos soldados de Napoleão, se diante da grandiosidade das pirâmides ele não falasse dos quarenta séculos que vos contemplam, mas sim "Regina, eu te amo"? E o desastre nacional e pessoal que teria acontecido na vida de D. Pedro I se ali, às margens do Ipiranga, ele tivesse erguido a espada e gritado "Regina, Leopoldina, Domitilia, Tereza e todas as outras, eu vos amo"? Pois é.
Mas não fica por aí, não. O Yuri Gagarin também poderia ter dito "Regina, eu te amo". Aí, quando ele voltasse do espaço, talvez algum jornalista russo se lembrasse de perguntar se a Terra é azul, e assim a gente teria a resposta. A não ser, é claro, que ele insistisse em aproveitar os microfones e câmeras para reafirmar o seu amor pela Regina. Nesse caso, nós poderiamos ter ficado esperando pela informação até o Neil Armstrong desembarcar na Lua. Mas se ele também resolvesse aproveitar o fato para declarar um emocionado "Regina, eu te amo", babau. A gente sequer teria ouvido que a missão foi um pequeno passo para o homem e um salto gigantesco para a humanidade. E já que o assunto foi parar nas missões espaciais, se o Jim Lowell resolvesse se declarar para a Regina ao invés de dizer "Houston, estamos com problemas", provavelmente não teria sobrado ninguém na Apolo 13 para contar quais eram os problemas.
Juro pra você que eu nem conheço a Regina, mas que já gosto dela só porque o Cafu gosta e eu gosto dele. Mas, puxa vida, será que ele precisava mesmo declarar o seu amor incondicional a ela no momento exato em que o Brasil inteiro estava ali, beijando a taça? É, isso mesmo: cento e setenta milhões de pessoas beijando a taça apaixonadamente quando, não mais que de repente, cento e sessenta e nove milhões, novecentas e noventa e nove mil, novecentas e noventa e nove pessoas são pegas de surpresa: "peralá! quem é que eu amo?". Bem, depois dessa eu não duvido nada que ele seja capaz de, entre uns e outros beijos apaixonados na esposa, sussurrar "Copa Fifa, eu te amo". E aí eu fico só imaginando o que é que passaria pela cabeça da Regina.
O Nelson Rodrigues falou, certa vez, que a seleção é a pátria de chuteiras. Pois se ele não encontrasse motivos pra dizer isso, mas só para dizer que amava a Regina, provavelmente eu não estaria aqui, desabafando com você. E talvez uns cento e sessenta e nove milhões e quinhentas mil pessoas não tivessem torcido tanto, sofrido tanto, trocado tantas horas de descanso e de trabalho por vestir as chuteiras, entrar em campo no meio da madrugada e acabar declarando, involuntariamente, seu amor a uma certa Regina.
Mas tudo bem: como o Andy Warhol nunca falou "Regina, eu te amo", mas sim que no futuro todas as pessoas seriam famosas por quinze minutos, tá explicado: o futuro chegou e aqueles foram os quinze minutos da Regina. E eu, que também estava me sentindo lá, beijando a taça com o Cafu, posso dizer aqui as palavras que a gente queria tanto ouvir naquela hora, mas que acabaram ficando só no coração e, talvez, no pensamento: Brasil, eu te amo.
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