O PODER SECRETO DO MOUSSE DE MARACUJÁ
Ricardo Edgard Caceffo

Cíntia aguardou pacientemente por mais trinta minutos.Manteve sua face passiva, o semblante sem expressão, fixando quase que obsessivamente o copo de refresco vazio que estava sobre a mesa.

Foi tirada desse estado apenas quando o garçom voltou e recolheu o copo:

- A senhora deseja mais alguma coisa?

- Sim. Um mousse de maracujá.

Acordes começaram a soar, vindos de um mini palco no centro do bar onde um grupo de adolescentes se preparava para tocar.A música era de uma antiga banda de rock inglesa, sutil e ao mesmo tempo progressiva, psicodélica. Ela falava sobre a saudade, a dor da lembrança e a separação. Seu nome era "Wish you were here".

O garçom voltara, trazendo o mousse numa pequena bandeija. Cíntia olhou para o relógio. Tudo estava acontecendo conforme o planejado. O ritual iria se repetir novamente, talvez pela última vez. Discretamente, retirou de sua bolsa um pequeno saco plástico que continha preciosas gramas de um pozinho branco e consistente. Disfarçou, olhou para os lados para ver se ninguém a estava espionando, mas seus temores eram em vão,afinal, quem iria se dar ao trabalho de espionar uma pacata senhora de cinquenta e seis anos?

Despejou delicadamente o pó sobre o mousse e começou a comê-lo lentamente,apreciando ao máximo cada instância de seu sabor, tentando prolongar esse momento de sonho para sempre, pela eternidade.Fechou os olhos e começou a viajar com a música, sentindo sua alma se despreender do corpo, atingindo outros patamares, outras dimensões, ultrapassando os limites do universo e indo ao encontro do paraíso místico: o céu, o nirvana.

Um repentino toque em seu ombro a retirou desse sonho e a jogou na dura e fria realidade: finalmente Carlos chegara. Ele se sentou na cadeira ao lado, sem dizer nada. Os olhos frios e calculistas de um médico com anos de experiência não foram suficientes para esconder a tensão e a dor que ele tinha dentro de si, afinal a situação era extremamente crítica e delicada.Retirou da maleta um envelope com o logotipo do hospital Paulo Afonso, e o entregou à Cíntia, que estremeceu e quase desmaiou.

- Minha querida Cíntia, eu sei que é difícil dizer isso, mas seu exame deu positivo. E não há cura.

Ela começou a chorar, primeiro lentamente, mas depois como uma criança sozinha e desamparada,sem ninguém para se apoiar. Olhou com um ar melancólico de despedida para o que restava do mousse.Ele havia sido seu melhor amigo durante toda a vida, um companheiro fiel e inseparável. O mousse de maracujá com cobertura de açúcar era a razão de sua existência, tudo o que ela tinha, o que a fazia viver e acreditar num mundo melhor, mais doce e promissor tanto para ela quanto para as gerações futuras.

Mas agora tudo estava acabado. Ela tinha um caso raro de diabetes, e nunca mais poderia ficar junto de sua secreta paixão. 

Enxugou as lágrimas, pagou a conta e saiu do hotel. Antes de chamar um táxi, passou numa lotérica e comprou uma Tele Sena. Talvez ainda haja esperança.

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