FIDELIDADE
Marco Brito

Tinha os olhos pregados na distância.

Meditava. Absorvia-se. 

Do alto de onde estava, descortinava-se - por sobre as copas dos coqueiros - toda a baía.

Embaixo, descendo por estreita trilha íngreme, chegava-se à areia alva e fofa da pequena praia enlaçada pela enseada.

O mar vinha meigamente beijar esta apertada faixa de areias claras onde repousavam as pequenas jangadas da labuta do dia.

Se estivesse olhando para o alto veria, no azul límpido com que se vestia o céu, o recorte das aves do mar que espreitavam a última refeição do dia. Seus vôos mostravam-se suaves. Tão suave quanto a brisa, que permitia seus doces bailados, que acariciava o rosto do homem que meditava...

O pio das aves o trouxe à realidade.

Vivera sempre próximo ao mar. Conhecia-o como uma mãe conhece seu filho. Amava-o como uma amante sabe amar o seu companheiro. Respeitava-o como só um guerreiro sabe respeitar seu mais nobre adversário.

Sobrevivera, e vivera, neste e por este amor. Subira no seu primeiro barco ainda moleque.

Apavorara-se com sua primeira noite de tempestade. Apaixonara-se como um adolescente apaixona-se pela sua primeira namorada. 

Mais tarde,fora obrigado a sair dali. Seria para fazer-se nos estudos. Saíra qual condenado, injustiçado, que caminha para o patíbulo, seu destino final.

Chorava. Um choro sem lágrimas, amargo, enquanto o barco distanciava-se do seu porto-berço natal. 

Jurara para si mesmo que retornaria para não mais - nunca mais - sair.

Deixara seu coração naufragado ali. Entre as rochas que barravam a fúria do mar, entre os coqueiros que cantavam as cantigas do vento...

Já em terras distantes, ele a conheceu.

E foi com ela que aprendeu as coisas do mundo. Havia sido ela a ensinar-lhe as línguas de outros povos enquanto que corriam por suas culturas.

Fora ela a primeira a fazê-lo gemer sem dor. A única a fazê-lo jurar amor.

A última a vê-lo partir sem despedir-se, e sem olhar para trás. 

Ela o queria, era verdade, e ele sabia disto. Mas ela o queria naquele mundo dela, e disto ele não precisava. Ela ainda jurara encontrá-lo...

Ali estava ele.

Tinha à sua frente, o mar, além deste mar, a ilha, além da ilha.... apenas seus pensamentos.

Num cair de tarde, com o sol brando, morno...

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