FUGA EM SI-MENOR
Luís Valise

 
 
Ela veio se insinuando. Sabe como é? Banho tomado, cabelos úmidos, cheirando a lavanda. Ele conhecia esses truques. Não era a primeira vez. Manteve-se forte, reto, fiel. Mulher é mesmo assim, ele sabe. Quando quer, é puro dengo, vem logo encostando o quadril, cevando o calor da fornalha. Vocês sabem a que me refiro. A fornalha. O odor da seiva. Então era assim que ela estava. O vestido era leve, de seda, quem sabe por baixo? Possivelmente nada, além da pele. E também não era pele madrepérola, dura e lisa. Não. Aquela pele tinha suas sabedorias, suas maciezas certas, suas durezas quase nunca. Um toque de almofada coberta por cetim. Nem mármore, nem algodão. Carne firmada nos anos. Ele gostava, mas fazer o quê? Evitava estar a sós com ela. Procurava multidões, espaços, rotas de fuga. Porém, força do destino, quase sempre ela estava lá, olhar de fogo, boca carmim, braços de trepadeira subindo inúteis pela parede da sua fidelidade. Teve até uma vez, numa festa. Ele conversava com outra, ela não teve pejo: chamou-o pra dançar. Ele deixou-se levar. E quando estavam lá, no meio do salão, ocultos por outros pares, ela abaixou a mão e segurou seu pau, como quem segura uma tocha na escuridão. Ninguém viu. Ele até pensou: - Come! Mas o sentimento é mais forte que a palavra. Muitos prometem, juram, e não resistem ao primeiro par de coxas. Não ele. Homem de uma só mulher. E homem por inteiro. Por isso, quando ela chegou se encostando, maior bandeira, ele saiu pra comprar cigarros. Aproveitou e pediu uma cerveja. Não era hora, mas melhor estar longe. Outros homens dentro do bar. Outros enganos, tantas mentiras. Fidelidade é coisa de macho. Pra quem encara de frente. Peito aberto. Olho no olho. Voltou, porque tinha que voltar. Ela ainda esperava. Não queria magoá-la, mas também não adiantava fingir. Pegou o paletó. Deu-lhe um beijo no rosto. Disse boa-noite às crianças. E foi pra casa da Isaura.
 
 

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