QUANTO MAIS INFIEL, MAIS MACHO
Juraci

Quando entrou naquele ônibus, teve a sensação de náusea. Lotado como estava, não chegaria a destino algum.

A seqüência de novos rostos, de ranger de embreagens o levava para a cidadezinha que deixara fazia tempo.

Sentou-se numa cadeira inconfortável e encolheu-se evadindo do frio externo. Por trás do vidro a paisagem tosca marcada pelo sol escaldante do verão passado. Mais ao longe, o sinal, a marca devastadora de uma queimada demorada. Vacas magras procuravam pelo alimento verde, escasso.

Uma parada inesperada brecava a viagem. O rasgão no pneu traseiro forçaria o motorista encostar-se na próxima borracharia. Não havia outra saída senão esperar. O olhar furtivo assumia a preocupação, nenhuma outra válvula de escape e, sem dúvida, a volta sem ninguém esperando, desconcertava-o.

Na parada, expôs-se à fila para falar ao telefone e quem sabe amenizar o impacto da sua chegada. Em vão.

A cerveja gelada o fez retornar ao acento. "Tudo, menos essa demora" - pensou alto. Tratou de respirar fundo para se acalmar um pouco. Enquanto esperava, pode fazer uma retrospectiva da sua vida desde que se casara com Eduarda: "Foi no revellion de 1996. No seu vestido branco, ela jogava flores na água para Iemanjá, na praia de Copacabana, quando me aproximei. Ofereci-lhe uma taça de champanhe. Ela aceitou o brinde e nunca mais nos separamos até o dia daquele exame fatídico."

O ronco do motor trouxe Emanuel de volta à realidade. Hora de seguir viagem. Conferiu o tempo de atraso e balançou negativamente a cabeça: "Quanta demora!"

Passava das nove horas da noite quando chegou em Cambruí. O lugarejo, com algumas dezenas de habitantes, continuava o mesmo. Os anos passaram e agora voltava para casa com um pressentimento ruim, de rejeição. Não avisou que estava voltando, muito menos, quando partiu. Ao receber o resultado de sua soropositividade, sumiu de casa para bem distante, sem deixar endereço. Não aceitava a idéia de ter contaminado a esposa fiel e, com um agravante maior, gestante. Na sua vida desregrada, obtivera muito sucesso com a ala feminina e até masculina, pouco se importando com a fidelidade conjugal. Para ele o homem, quanto mais infiel, mais macho... 

Nos longos dias num hospital, só solidão. 

Não fora procurado por Eduarda nem pela filha Luísa, agora mocinha.

Quando recebeu alta quis voltar para a casa, para sua família. Precisava se recuperar...

E voltou mas, ignoraram sua chegada. A esposa não levantou o olhar e nem um sorriso aflorou nos lábios. A filha olhou-o como um qualquer. Não conhecia aquele estranho. Em minutos que mais foram uma eternidade, Emanuel culpou-se por não ter estabelecido laços familiares mais fortes. Não teve tempo para isso. Jurara para si mesmo, nas noites infindáveis, que retornaria para não mais - nunca mais - ferir alguém. Desejava construir o que não construiu quando teve saúde. Bastava uma nova chance.

Olhou para todos os ângulos possíveis da residência, ainda de pé, com a maleta na mão, uma reviravolta, saiu sem olhar para trás. Não era mesmo a sua morada. Nunca fora. Tinha à sua frente, o nada. Plantou e colheu desprezo.

Emanuel embarcou-se no mesmo ônibus que o trouxe, numa volta sem esperanças. Chorou. Um choro sem lágrimas, amargo e ressentido. Talvez um dia, quem sabe, alterem as posturas, diminuam as mágoas, os preconceitos e aconteça a reaproximação.

Que não seja tarde... 

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