FIDELIDADE
Ivone Carvalho
Na semana passada estivemos juntas. Comemoramos, em sua casa, os seus cinqüenta e sete anos de vida. Quase sessenta, como digo a ela, recebendo, incontinenti, um olhar reprovador.
Conheci a Antonia quando eu tinha apenas catorze anos de idade. Foi ela quem me recebeu para fazer o teste naquele escritório onde passei a trabalhar, praticamente o meu primeiro emprego.
Embora não pareça, tenho uma certa timidez, principalmente antes de conhecer melhor as pessoas. Depois, vou me soltando e me deixando conhecer.
Foi assim que a nossa amizade começou. Timidamente, eu me aproximava dela para tirar dúvidas e conhecer o funcionamento do serviço. Ela era uma das funcionárias mais antigas e trabalhava ali fazia uns três anos.
A alegria, companheirismo e desprendimento de Antonia fizeram com que eu a admirasse desde o início e não demorou muito passamos a ser grandes amigas.
Partilhando a intimidade de nossas vidas pessoais, conheci sua família e ela conheceu a minha. Passamos a sair, eventualmente, nos finais de semana ou mesmo em outros dias, em períodos de férias escolares, quando, então, jantávamos juntas, ora na minha casa, ora na dela.
Jamais esquecerei os nossos passeios no centro da cidade, no horário do almoço, que era curto, mas que aproveitávamos o quanto podíamos. Nossos salários tinham comprometimentos familiares, por isso, quando o recebíamos, aproveitávamos para comer um pastel (um só mesmo!), porque sabíamos que a partir do dia seguinte não poderíamos nem sentir vontade de comer outro, exatamente pelo fato de não sobrar dinheiro algum para o restante do mês.
Vivemos e dividimos muitas situações difíceis: perdas de entes queridos, dificuldades financeiras, amores perdidos. Também compartilhamos um sem número de alegrias, como a compra de nossas casas, do primeiro carro, nossas formaturas, o ingresso na faculdade, nossos casamentos, o nascimento dos nossos filhos.
Não são poucas as coisas que costumamos enumerar quando queremos lembrar coincidências de nossas vidas.
Nossos casamentos ocorreram no mesmo ano, o meu em julho o dela em setembro; ambas tivemos três filhos, sendo que por duas vezes ficamos grávidas na mesma época e até hoje rimos muito quando vemos as fotografias daquele tempo, ambas com um barrigão de quase nove meses. Tanto eu, quanto ela, não pudemos criar os três filhos, porque Deus entendeu que só tínhamos o direito ou a capacidade para criar apenas dois: ela, um lindo casal e eu, as minhas duas lindas moças.
Fizemos algumas viagens para o litoral, quando as "crianças" ainda eram crianças. Fui conhecer sua terra, no interior de São Paulo, quando uma de suas tias comemorava sessenta anos de casamento.
Quando vou à sua casa é a maior festa, vez que sou considerada por todos como se fosse membro da família e isso é extensivo aos familiares do João, o seu marido. Mas aqui em casa, as coisas não são diferentes, porque também ela é um membro da nossa família.
Os anos passaram, nossos filhos ficaram adultos, enfrentamos sérias crises econômicas ao longo desse tempo, vivemos muitos e muitos momentos difíceis que, muitas vezes fizeram com que não nos falássemos mais do que uma vez por ano, o que nos entristeceu sempre e tanto, porque sempre sentimos necessidade de nos falar, de chorar juntas, de desabafar e até de rir.
Mas nenhuma dessas épocas foi capaz de nos afastar, porque na primeira oportunidade, lá estava uma de nós, telefonando, fazendo uma visita repentina, enfim, dando alegria à outra e estreitando cada vez mais esse amor que vai além da fraternidade, porque a Antonia é pra mim, a irmã que eu não tive.
Trabalhamos juntas durante apenas oito anos, mas somos irmãs há trinta e seis.
- Quase quarenta anos! - eu respondi, na semana passada. E, desta vez, seu olhar não foi reprovador: eu recebi foi um sorriso e um delicioso abraço.
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