CANO DE ESCAPE
Cristo

Não muito bêbado, guiava o carro sem dificuldades. Deixou-a em frente ao prédio despedindo-se com um beijo. A madrugada ainda estava movimentada, passou por um relógio da prefeitura, porém só conseguiu ver a temperatura, 17º. Pela janela do carro, jogou o guardanapo onde anotara o telefone, Como é mesmo o nome dela? Não a queria uma segunda vez, além disso, já poderia contar aos amigos que a tinha comido, sorriu. Lembrou-se da esposa, o sorriso desapareceu; não que sentisse remorsos, apenas temia que suas infidelidades fossem descobertas.

Como prevenção, cheirou a camisa; mesclado ao seu perfume e ao cheiro de cigarro, sobressaia o aroma adocicado que, há pouco, murmurando junto ao ouvido dela, havia elogiado. Agora, porém, a sensação provocada por esse perfume já não o excitava, apenas despertava a preocupação em apagar esse vestígio; A sem-vergonha sabe que sou casado e toma um banho de perfume! Só pode ser sacanagem!

Não demorou a encontrar um boteco - desses que é só um balcão e uma porta de aço que se enrola junto ao teto quando esta aberta. Pediu uma lata de cerveja, Sem gelo, por favor.

- Skol, Brahma, Kaiser? - Perguntou o gordo atrás do balcão.

Por hábito, pediu uma Kaiser; não bebeu, derramou a lata toda na camisa, tomando o cuidado de encharcar principalmente o colarinho. Percebeu os bêbados, entre atônitos e divertidos, observavam-no; Estava com uma amiga; não creio que a patroa vá gostar do perfume dela. Os ébrios riram, comentaram e fizeram algumas pilhérias. Teve vontade de ficar, mas pensou no horário; despediu-se.

Orgulhoso de sua astúcia, dirigia despreocupado. Ainda esforçava-se para lembrar o nome daquela mulher, mas nem mesmo recordava-se de o ter pronunciado.

Aproveitou o sinaleiro fechado para conferir o resultado do seu ardil, Merda! O perfume persistia; pela primeira vez a cerveja foi ineficaz....

Talvez o whisky funcione melhor...

Outro bar, a mesma porta, o mesmo balcão - o homem atrás deste balcão não era gordo - os mesmos bêbados; pediu o whisky mais barato, Sem gelo, por favor. Aos poucos derramou a dose sobre a camisa. Os bêbados deste bar ficaram sem explicações: não teve ânimo para brincadeiras nem vontade de ficar.

A todo instante verificava a camisa; o whisky também não teve êxito.

Os Sábados eram sempre iguais: A esposa acordava, colocava a chaleira no fogo; enquanto esperava a água ferver, aproveitava para colocar as roupas para lavar. Separava as roupas do futebol, depois as roupas que ele vestira na farra. Ele nunca viu, mas tinha certeza que ela procurava por marcas de batom, cabelos, maquiagem, ou qualquer outro indício, inclusive perfume. Essa cena o angustiou.

Márcia! Esse era o nome, Que diferença faz?! Dane-se a Márcia! Ora melancólico, ora esperançoso, na maior parte do tempo, enraivecido:

Ela vai para a casa da mãe...Vai pedir o divórcio... Pode até ir, mas volta... Sei que me ama... Eu nego, nego tudo...Não pode ter certeza de nada, só porque sentiu um perfume...Vai acabar com um casamento por causa de um maldito perfume?!... Droga!... .Se for, não adianta querer voltar depois... Sei que ela me ama... Estou bêbado...

Cheirou novamente a camisa com a fútil esperança de sentir apenas o odor da cerveja, do whisky e do cigarro. Odiava cheirar a cigarro.

Cigarro!... Sorriu novamente. Parou o carro no acostamento, deixou o motor funcionando, desceu e caminhou para traz do carro. Agachou-se tirando a camisa e a expôs à fumaça do escapamento. Adulava o próprio ego, Eu sou um gênio mesmo... quando percebeu um carro estacionando atrás de si. Só deu importância após a luz intermitente do giroflex ter sido acionada; dois policiais desceram.

- O Sr. esta com algum problema? precisa de ajuda?

- Não, não, seu guarda, está tudo sob controle.

Esforçou-se para esconder o resto de embriagues, porém o cheiro da bebida em sua roupa agravava a realidade.

- Então, o Sr. pode nos explicar o que esta fazendo?

Com riso nervoso respondeu:

- Claro seu guarda, vou te ensinar um truque.

Contou sua história; a mulher, a esposa, a artimanha da cerveja e do whisky.

- Veja bem, eu já estava desesperado, aí lembrei que sempre que saio às Sextas, volto com cheiro de fumaça de cigarro. Então pensei que do cano-de-escape sai bastante fumaça.

Mergulhou o rosto na camisa e inspirou profundamente, sorriu: 

- Olha só, funcionou, só cheira a fumaça e a bebida.

Gargalhava. Os policiais riram.

- Ok, boa sorte com a esposa, dirija com cuidado.... da próxima vez, pelo menos ligue o pisca-alerta.

- Obrigado seu guarda, po'deixar.

Satisfeito, seguiu para casa.

Estacionou na sua garagem, fez uma última inspeção para ver se não encontrava algum fio de cabelo ruivo no estofamento do carro.

Encontrou a esposa dormindo - há anos que ela desistira de o esperar acordada, ou, fingia isso - despiu-se e largou displicentemente a roupa pelo chão. Deitou e dormiu "o sono dos justos". 

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