ENIGMA
Samuel Silva

E o que dizes agora que realmente me conheceu em toda a minha materialidade? Agora que percebeste quão inúteis são seus complicados estratagemas de sedução naquele momento crucial em que trocaria todos os teus ardis por apenas um olhar de sincera entrega? Tuas mini-saias, teus saltos altos, tuas meias finas amorenadas, tuas horas na academia, tuas maquiagens, teus perfumes, teus cabelos mutantes, tuas lentes de contato ou óculos da moda, tuas caras e bocas treinadas desde antes da adolescência, tudo isso e mais jogarias ao lixo pelo simples ouvir ser amada.

E o que fazes agora em que te lanceto em fundo alcance e te transpasso e te quedas de quatro e mias e uivas para uma lua que te funga à nuca? Agora que pesas mais que a Terra e ainda assim flutuas com a cabeça nos céus, teu espírito no nada enquanto teu corpo descobre a glória de não ser então dás mais do que tens e quanto mais te entregas mais tens dentro de si?

E que pensas do que lhe ensinaram desde bebê, recato e honra, responsabilidade e maturidade, independência e conhecimento? Que pensas quando teus gritos são ouvidos por distantes ouvidos e teus pedidos te reduzem à animalidade, quando permites que façam de ti o que querem porque é o que queres? Que pensas te abrem e te cobrem e te deixam como esquecida comida no chão e calam a tua boca com tantos pedaços e tu te regozijas no gozo de ser alimentada, enchida, renunciante de tua honra, afastada de teu recato, irresponsável embebida em emoção juvenil, tão dependente do outro, tão ignorante do futuro?

E o que sentes agora, mulher, em que toda a tua felicidade é chorar pela dor de ser feliz?

E você, agora que me conheceu em lágrimas contidas no amolecer de tuas convicções, de teus sins e nãos, quando de caçador te faço cordeiro? Percebeste agora quão impotente e inútil é tua força, teus músculos, tua pretensa inteligência, tuas armas, tuas certezas, tua visão monocromática e as abandona como menino assustado, a se esconder no colo quente e macio que te abrandou? Onde está tua vontade inabalável, tua fama e reputação, tua individualidade, teu ego, todo aquele gestual de senhor, que trocaste célere e imponderado, inculpado, pelo momento de ser preso, sem resistência, balbuciando eu-te-amos e tentando rimas improváveis no sonho de um sorriso, um olhar, um beijo lançado no ar?

Para onde foi você, aquele você auto-suficiente, seguro de si, ridículo em sua pretensão, agora que te prendo manso entre pernas e braços e te espremo, sugo, chupo, te faço esquecido do mundo, te faço imundo, suado, melado? Para onde, se queres mais do mesmo e renegas teus "eus" e "meus" e te faço desejares ser um e único para uma única e gritas matar e morrer se assim não for? Onde estás, que abjuras teu ontem e renuncias ao amanhã apenas pelo hoje na boca de uma mulher, se vendo subjugado, objeto jogado de fora para dentro e de fora para dentro em assim em diante, só pelo prazer de não ser, se entregar sem reserva ou reação, buscando cego tua visão, emudecendo conquistas e ouvindo só uma voz, a voz querida ouvir.

E tudo isso por minhas causa e efeito, que tenho muitos nomes, estou na boca da puta e da madame, o forte me tem pela sua fraqueza e se faz fraco para ter em mim, força. Me procuram, acham que me acharam e depois muitas vezes crêem que perderam, ainda que não me tiveram, como se eu fosse algo ou alguém, como ser no mundo, vagabundo, como não fosse eu ilusão.

Matam e morrem, choram e riem, negam e se negam e até me querem apanhar, como existisse no fundo, não fosse vago, mas profundo, a ser sorvido e vivido, não fosse criação.

Sou quem faz revelar que somente és inteiro quando te tornas metade.

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