DESISTIR
Nilda Brandão
Eu trabalhei numa empresa certa vez que tinha sua sede numa casa, aliás, 3 casas. Era muito bom trabalhar lá, especialmente porque, para se tirar uma copia de documento, tínhamos que atravessar a rua e ir à outra casa, nesse meio tempo aproveitávamos para papear e fofocar.
Na casa em que eu trabalhava tinha uma árvore, um pé de jabuticaba, eu nem sabia que aquilo era um pé de jabuticaba até o dia que ela resolveu dar frutos, foi nesse dia que eu entendi o sentido a palavra "florescer" ela realmente floresceu ! e se encheu de vida !! toda a sua extensão se cobriu de flores, e como era perfumada ! realmente linda ! olhar para ela já nos deixava mais alegres, porque ela transbordava vida, renovação, alegria.
Mas, como sempre em toda estória tem que ter um vilão, nesta não poderia ser diferente, o Diretor da Empresa, temendo um ataque maciço de pássaros e por achar que quando as jabuticabas aparecem o quintal ficaria imundo, pediu ao pessoal da manutenção que tirasse as flores da arvore... e um faxineiro, com um facão, raspou todas as flores do pé de jabuticaba.
Eu sei que é difícil de acreditar, mas dava pra sentir a tristeza da árvore. Aliás, parecia que até os funcionários andavam tristes, a arvore, antes tão majestosa na sua função de dar frutos, agora estava desolada, infeliz, triste... parecia uma mulher que sofre um aborto, e passar por ela, me enchia de tristeza, algumas vezes eu parava para
olhá-la e sentia sua tristeza, era como se ela quisesse dizer "agora sou inútil, minha função acabou.. " e minha vontade era de
abraçá-la, literalmente, e tira-la daquela tristeza...
Relendo isso que eu escrevi, realmente parece loucura e eu vou entender se alguém resolver me chamar de doida, mas a tristeza da pobre jabuticabeira era tão evidente que todo mundo sentia, não tinha quem não passasse em nosso quintal e não dissesse "pobre árvore... "
Uma manhã cheguei para trabalhar e notei que novas flores estavam brotando na jabuticabeira, sorri feliz, ela estava se recuperando... e não tardou para que estivesse
de novo cheinha de flores, exalando seu perfume majestoso e parecendo toda orgulhosa de si mesma . E dessa vez, o Diretor não se atreveu a mandar cortá-la novamente, talvez até mesmo ele tenha sentido o mal que fez à jabuticabeira e ela não tardou a se encher de jabuticabas docinhas e suculentas... nem preciso dizer que nós nos entupimos de jabuticaba naquele ano, nem preciso dizer que a jabuticabeira voltou a ficar feliz, nem preciso dizer que o humor dos funcionários melhorou sensivelmente.
Não sei porque lembrei dessa estória... mas, relembrando agora, fico pensando se a arvore arrumou forças para continuar vivendo ou simplesmente fez o que tinha que fazer, quer dizer, se fosse uma mulher, que dela é arrancada seu fruto, na maioria das vezes a recuperação, quando ocorre é tão lenta.. nós choramos, nos recusamos a ir em frente, nos recusamos a acreditar que pode ser melhor amanhã... pensamos em desistir um milhão de vezes e gastamos fortunas com analistas... Mas aquela árvore... mesmo visivelmente abatida, teve novamente seus frutos, e ficou feliz e cheia de vida novamente, será que em algum momento ela teve duvida? Será que quis desistir? Ou será que desistir não é uma palavra que exista na natureza ...
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