MODESTO OU SIMPLÍCIO
Nato Borges
Era João. Chamava-se assim e desse o jeito o chamavam desde que se entendia por gente. O sobrenome era Modesto, ou Simplício, as pessoas nunca se lembravam, como dele se esqueciam com incrível rapidez. Trazia consigo um mistério carregado de discrição.
Não se tratava de desconfiar dele. Pelo contrário, João, fosse Modesto ou Simplício, esbanjava confiança em sua expressão, atitudes e, poucas, palavras. Trabalhou por anos no mesmo lugar, sempre o contínuo eficiente, que tudo ouvia e nada dizia, a ninguém, nunca.
E estava aí seu maior segredo. Passava pelos corredores como se não existisse. Deslizava por salas e, aos olhos de quem o recebia, movimenta-se apenas a bandeja de café, os envelopes ou os jornais do dia. Vez em quando alguém se lembrava dele, e perguntava a outro de onde veio ou como vivia. Ninguém sabia. Só se lembravam dele sempre ali. Já estava lia quando chegaram.
Era a certeza de que, como uma árvore, esteve e sempre estaria em seu lugar, que fazia com que fosse esquecido. Por seu lado, parecia não se importar com o anonimato, com a invisibilidade. Até gostava, já que tinha verdadeira aversão pelo contato com aqueles que não fossem os seus, ou parecidos com eles. E todos ali eram diferentes, eram outros.
Não era infeliz, e gostava de se sentir diferente por não se misturar. Aos olhos dos colegas não parecia arrogante. Lá do seu jeito, João tinha um encanto, talvez vindo se seu sobrenome, que lhe transparecia uma capa de humildade. Aos que não o viam todos os dias, o Modesto, ou Simplício, era a criatura mais humilde do mundo.
Uma outra vez lembraram-se dele. Festa de Natal, todos os funcionários convidados a um bar com chope por conta da companhia. João foi. Dizer que gostava não seria verdade, mas achou que a ocasião merecia aquela deferência aos colegas. A todos que não o viam todos os dias.
Foram assim 20 anos na vida do João. E seriam outros tantos, se um dia, como acontece a todos os Modestos, ou Simplícios, João não tivesse morrido. Morreu tão suavemente como viveu: discreto, silencioso e invisível. Aqueles que não o viam, e que chamava de colegas, durante alguns dias perceberam que algo havia mudado. O café, os envelopes e os jornais não chegavam como antes, aliás, sequer chegavam.
Foi pela falta do jornal que um deles resolveu dar falta do João. Já se tinham passado dias, mas ainda assim faltava. Foi assim que descobriram que João tinha família, uma matilha de Modestos, ou Simplícios, que no silêncio herdado do pai chorava calada.
Poderiam ter descoberto onde morava, como vivia, como andava e quem amava. Mas a empresa já havia contratado lá um José, Simplício ou Modesto. E os segredos de João foram embora como ele, antes mesmo que soubessem que existiam.
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