ENIGMA DA VIDA
Larissa Schons
Nascera em 1984, ano de reestruturação para a sua família e para tantos blumenauenses que ainda sofriam com os impactos da grande enchente de 83 que desalojara mais de cinqüenta mil pessoas. Fora batizada com o nome de Larissa, a benção que significava cheia de alegria, de fato o único motivo que levava a sorrir aquela família.
Crescera assim, na desordem material e no aconchego espiritual. Aprendera a pensar assim, diante das turbulências sempre haveria uma luz. E vivia assim, solta, aberta para o mundo.
Apesar da pouca idade já tinha passado por várias experiências amorosas. Não se arrependia de nenhuma delas. Paixão, loucuras, fracassos, perdas, faziam parte da vida. Mesmo assim, sofria. Não por algo que deixou de fazer, nada disso. Era realmente clara e intensa nos seus relacionamentos. Mas sofria. Sofria pelos outros. Sofria pelo pouco comprometimento dos outros. Parecia que os outros tinham medo. Medo de levar um fora, medo de sofrer, medo de não ser correspondido, medo de se entregar. Mas por quê? Se sempre havia dado tanto amor.
Foi amada também, sem dúvida. Mas era aquele amor de troca. Dava e recebia, dava mais e recebia menos. Recebia por receber, recebia porque a vida era assim.
"As pessoas costumam agir por influência dos outros.
As pessoas vivem o que tem que ser e não são o que querem ser.
As pessoas são subalternas das suas próprias normas.
As pessoas vivem de aparências". Tudo isso martelava na sua cabeça.
Não entendia porque os outros tinham que pensar uma, duas, três mil vezes antes de fazer alguma coisa. E os que faziam por impulso voltavam atrás, desconversavam, diziam que não era bem assim, se arrependiam ou na certa se reprimiam.
Era tão difícil errar, era tão difícil sofrer por amor, era tão difícil tirar a casca, era tão difícil ser gente.
Loucamente divagava sobre essas e outras coisas ora aqui, ora ali. Mas naquele dia ao entrar no aposento, inevitavelmente, olhou-se no espelho. E viu o retrato fiel de uma pessoa feliz. Seus enormes olhos claros sorriam por dentro. E ela teve a certeza, sabia sonhar. Ela sabia viver as suas fantasias. Ela sabia encarar a verdade e encurralar a realidade. Ela era a filha da dor e do amor. O que faltava nas pessoas era isso. Se olhar no espelho, deixar-se olhar. Encarar seus fantasmas, suas marcas, seus erros seu eu. Só quando aprendemos a nos olhar como pessoas, humanas que somos, é que podemos ser felizes. E só pessoas felizes que se aceitam e que sabem ser o que verdadeiramente são é que podem amar e serem amadas.
*
Em 1984 a cidade de Blumenau teve um alto índice de natalidade. Os que passaram pela tragédia do ano retrasado repensaram suas vidas. Mostraram suas verdadeiras faces, não tinham mais nada que esconder, haviam perdido tudo. Resolveram criar laços e deixaram traços. Larissa foi uma delas
Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.