TEU MISTÉRIO
Cléo Siqueira

Quis entender-te, juro que quis. Com a força da cisma persistente, latejante, premente, de um aventureiro em busca do tesouro enterrado. Com o desespero de um pesquisador ansioso pela descoberta. Juntei peças, pistas, dados. Formava imagens absurdas, coerentes, vãs, preciosas, vazias, embriagantes. Tornei-me uma piorra percebendo formas borradas em seu giro veloz e, na deformidade, via direito, consertado, real, correto. Para mais adiante, numa pausa do giro, sentir o soco na boca do estômago dado pelo punho do teu mistério.

Quis entender-te, juro que quis. Entender teu desejo que me tornou caça, teu medo que me tornou demônio, tua paixão que me tornou mel, tua repulsa que me tornou chaga. Fiz-me fácil, injetável, receptível. Fiz-me ausente, escondida, fugitiva. Recebia-te, se chegavas, em trêmulas labaredas de emoção e vontade. Aceitava teu desvencilhar temeroso, culpado, covarde, nos cortes e recortes ardidos que tua ausência marcava no meu percurso. Para mais adiante, no cicatrizar dos lanhos que me impuseras, deitar-me envolta no teu mistério.

Quis entender-te, juro que quis. Teimei tanto em retirar-te a pele, as máscaras, as vestes! Espremi-me tanto entre as frestas que permitias a mim que, talvez por isso, de uma delas, consegui ver-te tonto, perdido, aflito, lupa da ilusão entre os dedos, buscando decifrar minha presença teimosa e inevitável a perseguir-te nas horas do teu tédio. 

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