A RESPOSTA
Samuel Silva

Díquens acessou o hotmail com impaciência, contando todos os minutos de carga da página com a respiração da esposa como metrônomo, previamente sobressaltado na antecipação do momento em que ela pudesse acordar. Era temer a improbabilidade possível, a hipótese como suspeita incipiente e abstrata, a verdadeira expressão da paranóia, mas o que podia fazer se em segredo acessava a internet, culpado do crime de desobedecer a consorte? A internet, este antro em que homens e mulheres de desejos inconfessáveis ocultos em camadas e mais camadas de dissimulação e astúcia buscavam emoções fortes, baratas e ilícitas, desvirtuando virtualmente os mais elevados valores espirituais, mormente o da fidelidade. A depender da esposa, o brasão da família espelharia, qual os fuzileiros navais, o lema Semper Fidelis. Díquens sonhava com algo mais sensacional, como Semper Erectus, obcecado pela impotência que o assombrava desde a longínqua festa de seu meio século de vida. Vida madrasta que retira o vigor e a saúde, necessários ao gozo dos prazeres que oferta, justamente quando se comemora as bodas de ouro dessa relação iniciada no nascimento. Sim, porque ao nascer contraímos, qual doença que nos mata aos poucos, matrimônio com a vida.

Por via das dúvidas, tentou digitar com mais suavidade e reposicionou o monitor do computador, tentando evitar que a luz do monitor incidisse no rosto da esposa, que com a idade passara a converter o que era pesado no sono em pesado no corpo.

Entrou! Na pasta de lixo eletrônico, uma mensagem especial, em inglês, atraiu-o como quindim: let´s fuck all nite. 

Clicou. Remetente: sandy@xyzfreeporn.com.

Verificou a esposa que devia estar sonhando com algo tão excitante quanto uma partida do campeonato de masters de golfe, porque respirava muito tranqüilamente, longas pausas entre inspirações e expirações. Os seios flácidos derretendo para fora da camisola pelo decote pudico de senhora de família.

sandy@qualquercoisa o convidava ao turbilhão do sexo sem limites ou fronteiras, com asiáticas, adolescentes, negras, lésbicas, anãs, obesas, sexo bizarro, sexo mais do que seguro, desde que você usasse um saco plástico e sumisse com os resíduos antes da esposa descobrir o que o marido tanto fazia no computador altas horas da noite. 

sandy@qualquercoisa prometia som e imagem digitais, tanto em wmp quanto awa, transmissões ao vivo de surubas e orgias, gemidos, genitálias, apetrechos e fetiches aos montes; sempre se pode abaixar o volume do som para não desesperar a vizinhança, inclusive a vizinhança mais próxima que dormia regalada na cama.

sandy@qualquercoisa prometia fotos de celebridades nuas e em posições nunca suspeitadas, todas celebridades dos quatro sexos fazendo tudo aquilo que você sonhou fazer com elas. 

sandy@qualquercoisa prometia todo um mundo, mais!, todo um universo de sensações e prazeres ao alcance de Díquens e sua conexão ultra-rápida de banda larguíssima (como os quadris da esposa). Emoções para lá de baratas, grátis, Díquens só precisaria informar seu cartão de crédito, "just in case", dizia sandy@qualquercoisa, para certificar que ele era adulto. O universo luxurioso, pecaminoso, astarótico, dentro de uma noz eletrônica, grátis, por um mês!

E ele só precisava responder: "yes, my credit card number is..."

Malditos sejam todos os responsáveis pela geração, transmissão e distribuição de energia elétrica nesse país em que há tanta abundância que bundas e bundões fazem sempre sucesso, são artistas, são políticos, são homens e mulheres públicas que controlam as vidas dos cidadãos comuns a ponto de, pela queda de um simples transformador de rua, aliarem-se à esposa de Díquens, dormindo seu sono plácido segura da cumplicidade destes seus manganos, e censurarem o direito constitucional à livre expressão e acesso á informação.

É, não foi daquela vez que sandy@qualquercoisa recebeu resposta de Díquens.

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