AMENDOINS E
PACIÊNCIA
Nato Borges
Era a melhor hora do domingo. Cerveja, amendoins, um bom jogo de futebol e distância de tudo o que lembrasse trabalho, contas e problemas. Era a catarse de sua existência, as horas mágicas, a paz enfim conquistada -; mesmo que por alguns instantes - no interior do inferno.
O relaxamento começava. O calor lhe permitia só cuecas e camiseta. Parte da barriga descansava entre uma e outra. Era o ápice de sua liberdade. Os chinelos ao pé do sofá eram o sinal de que seu curto período sabático estava em andamento.
Os filhos estavam sumidos desde depois do almoço. Uma festa de aniversário. A mulher, depois de levá-los, perdeu-se na cozinha entre os restos do almoço de domingo. Já sabia que comeria risoto de frango pelo menos até a quarta-feira. Era tudo o que ele esperava. Era.
- Amor!
"Ai meu Deus. Eu conheço esse tom de voz". A cerveja e alguns amendoins entalaram na garganta. Os olhos, paralisados na direção da cozinha, viram aquele corpo já gasto e um tanto disforme aproximar-se, devagar, muito devagar.
- Se eu te fizer uma pergunta, você responde?
"Isso já é uma pergunta, e uma armadilha. Se eu disser que sim, vai me perguntar o que não posso responder, se eu digo não, acabou-se meu descanso".
- Talvez...
- Como assim? Talvez?
"Tiro pela culatra. Preciso pensar rápido, acabar com isso rápido. O jogo vai começar. Cerveja, amendoins. Isso tem que ser rápido".
- É... depende da pergunta....
- Por que você sempre me responde assim??
- Já foram três perguntas...
"Ironia pode ser uma saída. Ela vai ficar sem graça. Melhor que isso, se eu rir agora, ela pode achar engraçado e deixar essa história de lado".
- Tá rindo do quê?
- Nada, não é nada...
- Você sempre faz isso. Por que é que a gente nunca consegue conversar sério?
- Conversar sobre o quê? Você disse que ia me perguntar uma coisa e não perguntou...
- E você deixou? Você me deixa falar?
- Mas meu bem... o que é isso? Eu estou aqui... vamos conversar então...
"Eu me rendo. Melhor conversar logo, seja lá o que for".
- Assim, por obrigação, não. Queria que você se interessasse...
- Mas me interessar pelo quê? Aconteceu alguma coisa?
- Precisa acontecer alguma coisa? Quer saber? Eu esperava mais de você, imaginei que você fosse diferente dos outros...
- Mas...
- Mas não. É a mesma coisa. O mesmo traste, aí, grudado na televisão com essa cerveja e essas porcarias de amendoins...
- Mas você gosta de amendoim...
- O tempo que a gente devia ter prá nós, você gasta aí. Podíamos estar conversando sobre nossa vida...
- Mas então tem alguma coisa errada.
- Não tem, não tem. Mas se tivesse, eu não teria como falar...
- Mas você pode falar sempre que quiser...
- Não quero falar quando eu quiser, quero que você se interesse. Será que é difícil entender isso??
"É impossível entender isso. O jogo já começou, a cerveja está esquentando, ela está quase chorando e eu ainda não consegui entender isso. Mas afinal, o que é isso???".
- Querida, olha. Vamos fazer assim. Me desculpe. Me desculpe se eu pareço desinteressado. Não é de propósito. É que eu ando trabalhando muito, eu estou cansado, é isso. Mas eu me interesso, eu quero saber de você...
- Você jura?
- Juro, claro que juro. Se eu não pergunto é porque eu sou uma besta. Trago problemas demais prá casa, mas é isso. Se você me falar, eu vou te ouvir, eu sempre vou te ouvir.
- Mesmo?
- Mesmo. Sempre. Tá bom? Olha, vou desligar a televisão. Toma aqui uma cerveja, come um amendoinzinho. Vamos conversar...tá? Vamos conversar.
- Você quer mesmo?
- Quero! Vamos lá. Me diz. O que é que você ia me perguntar?
- Perguntar?
- É. Você disse que tinha uma pergunta prá me fazer...
- Ah, é mesmo..
- Então...
- Me esqueci.
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