ANTES
QUE SEJA TARDE
Luís Valise
Como quando
falou que não queria mais me ver. No começo fiquei assim, meio atordoado.
Só depois foi que vi que não compreendia mesmo. Não me ver mais, como?
Depois de tudo? De todas as promessas? De todos os sussurros? Nananinanunca
que eu toparia uma coisa dessas! Tinha direitos adquiridos durante madrugadas.
Usucapião. Raízes. Calos. Tinha mais, tinha curvas nas minhas mãos. E
reentrâncias. Mais: o cheiro das reentrâncias. A linha graciosa da curva
do seio, que terminava em ponta de exclamação! Os nós que desciam pelas
costas onde minhas mãos se ancoravam quando nos fundíamos em seiva e raiz.
Quando nos fodíamos em nós... Como não mais ver os olhos de sucupira?
Como nunca mais ouvir o riso de riacho no remanso, um riso que espumava
no arredondado dos dentes muito brancos, e descia em cascata justo no
redemoinho em que me ficava o coração? E os gemidos? A boca junto da minha
orelha, me mostrando trilhas e atalhos, me subindo e me baixando, até
me atirar no espaço grave do gozo que me lançava entre galáxias lácteas,
quando a mão me puxava a âncora de volta ao fundo do mar de coral, e acalentava
meus espasmos até que o coração voltasse ao ritmo dos humanos...
Fiquei mudo ao telefone enquanto todos esses pensamentos rodopiavam na minha cabeça. Do outro lado da linha seria possível ouvir meu coração pulsando (latindo, como se diz em espanhol, língua feita para o amor. Divago). Pensava numa resposta. O telefone estava molhado do meu suor, enxuguei com a ponta da camisa. Ouvi um ruído de aspiração. Fumava. Imaginei a fumaça saindo em linha reta dos lábios vermelhos. Não queria me agachar para fora da possibilidade do beijo. Aliás, por falar no Pessoa... Tergiverso. Se ao menos eu fumasse poderia também procurar resposta nos anéis saturninos da fumaça que, por certo, me mataria menos que a ausência da fêmea. Da minha fêmea. Já a chamara assim? E se eu dissesse agora: - Você será sempre a única fêmea... Decerto não ouviria mais que um riso debochado. Ou não. Arrisquei. Já fazia algum tempo que o silêncio estava do lado de lá. Quase podia ouvir um coração latindo. Sabia que as mãos começavam a ficar úmidas de suor. O amor... o medo do ridículo... coisas do coração. |