FANTASMAS - OPUS 4
Samuel Silva
Vim, você tanto insistiu em teu arrependimento, que vim ver com meus próprios olhos, estes que a terra está a comer, a tua culpa sofrida, judaico-cristã, culpa pelo erro no homicídio, mas não de ter matado.
Que queres, afinal, além de expor-se à minha ira mal-cheirosa, putrefata já por agora, tanto tempo passado desde meu enterro?
Pensas acaso que me comprazerei em chafurdar neste seu inconsolo de corno homicida, de não ter colo, só teus chifres reverberando pela sua vizinhança?
Queres que me vingue, te contando o que vi vivo e ainda vejo morto, quando em noites sem lua arrasto minhas penas e dós pelas ruas e penumbras?
Desejas saber como Rosalva te traia com o alemão? Como ela o deitava no sofá e o cavalgava selvagem, ainda vestida mesmo com aquele vestido vermelho com que a presenteou?
Como, ainda molhada dos fluidos dele, ela te recebia em casa ao final da tarde, você querendo dela o que já era tomado por outro?
Como, a boca adoçada pelos beijos dele, ela te beijava rápida e começava um relato morno de um dia tedioso passado naquela casa mal adornada?
Como, noite mais alta, salgada pelo sexo dele, ela te pedia a cunilíngua e você a dava?
Ou preferes que te fale que o alemão não foi primeiro nem último, seja antes de você o descobrir, seja depois a perdoar e a pedir de volta, hombridade resiliente que tanto permitiu acoitada de amor?
Fosse cada homem que se deitou com ela uma nacionalidade, seria ela eleita e reeleita ninfa da ONU, cona universal.
Fosse cada vez que ela abriu-se a outro, de alfa a ômega, uma estrela, se diria que o Universo não só se expande, como se multiplica exponencial.
E você, nisso tudo, não era nada, só o pagador, o provedor, o autor de um poema que todos leêm e comentam e copiam e dão uns aos outros como mostra do gênio humano.
Por quê está tão calado? Fica excitado imaginando as mãos que percorreram, aos pares e ímpares, as coxas de Rosalva?
Pensa nas mãos que deram tapas naquelas nádegas altivas, senhoras de si, assenhoradas por todos?
Não? Ainda te sobe o sangue, Lindomar, imaginar que nunca tantos deveram tanto a tão poucos, na verdade a apenas um, você? Quantos garotos acnosos deixaram de sujar azulejos para chegarem ao paraíso adolescente entre os pêlos raspados de tua mulher... Quantos jovens cheio de energia as gastaram no lexo-lexo, no bicho-de-duas-costas e algumas vezes até três, pois é dando que se recebe e ela era caridosa como poucas... Quantos homens casados tornaram reais tantas fantasias que suas esposas rejeitavam, por insossas ou dolorosas...
E você, Lindomar, repetindo meia-bomba o ritual do papai-e-mamãe; você, a quem nunca foi permitido ser trompete ou canudo, para ser soprado e chupado, nem nunca foi dado anel ou botão, que ela guardava para o bairro, pois a virtude se mostra em casa...
E eu, teu amigo de fé, irmão camarada, que sempre visitei tua casa, mas não tua mulher, eu que quis abrir teus olhos baços para tantos braços que envolviam a tua esposa, justo eu fui vitimado pela cólera letal de tua impotência. Matou o mensageiro, querias a notícia, Lindomar.
Além de corno e homicida, é burro e incrédulo: só eu não a comi, já te disse, porque resisti e você ainda não crê em fantasmas!
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