FANTASMAS - OPUS 3
Samuel Silva

Os olhos dela escancararam diante da visão estonteante que vinha luminosa rompendo a escuridão do quarto, irradiando-se e construindo imensa sombra na parede oposta e parte do teto, um masai inconsútil.

Trazia a luz um certo calor ígneo, calor de rocha, que cresceu dentro dela e aflorou ardendo a pele e ela não sabia como resfriar-se, a luz agora mais estimulante, fazendo seu coração parar e disparar em arritmia desarmônica de sambista português.

Paralisada em confusas emoções, sem conseguir distinguir esquerda e direita, acima e abaixo, ela se deixou inerte em frente à fonte luminosa, assustada pelo sentido de ser iluminada, estimulada pelo próprio temor de estar ali, naquele momento, só e ainda assim acompanhada. 

Era sua primeira vez, seu primeiro contato, sua primeira visão deste universo paralelo do qual tantos e tanto falam.

As vozes mudas, nascendo como que dentro de sua própria mente, adulando, pedindo, ordenando, debochando, descrevendo, mentindo...falando verdades.

Risos e choros ecoando no vazio, cercando-a a partir da luz à sua frente, luz fria, tremeluzente.

Não era mais caso de desdenhar os que a precederam no gozo daquela visão, daquele tipo de experiência.

Não era também para se gabar - nem o queria - sentia ganas de guardar para si como segredo inconfesso porque inconfessável, mas, qual pecado prazeroso, sempre se buscar repetir a tentação.

Quantos não ririam de sua narrativa?

Quantos não afirmariam seu desequilíbrio?

Quantos não a mandariam colocar os pés no chãos, que as coisas que se vivem são as vivas?

Não, não contaria a ninguém, ao menos não aos não-iniciados, aos ignorantes. Buscaria, sempre, outros que como ela se diferenciassem dessa massa e que são assim outra massa, de diferentes.

Entre tantos pensamentos, abandonou-se à sua própria sorte, entregou-se nas mãos de Deus ou do Destino, entregou-se plena e abolida, vontade esquecida, res derelicta.

A luz, de repente, desapareceu, deixando-a excitada, suada, angustiada em meio às trevas urbanas, maldita, mil vezes maldita eletricidade: queria voltar ao chat e também comprar um bom no-break.

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