FANTASMAS - OPUS 1
Samuel Silva
Não fique assim, nada pode ser tão ruim. Nem a morte, pelo que dizem tantos santos, profetas e deuses. Pense: Valhalla, Éden, Nosso Lar, Olimpo ou Nirvana, que não é bem um lugar, é mais um estado, mas,
enfim... Não, definitivamente nem a morte é tão ruim.
Traição conjugal? Não, não é como a morte, é menos, vai...Está certo que na hora o ar nos foge ávido por outros pulmões, o chão se abre em um abismo sem fim, a luz se apaga como se fossemos tragados por um astronômico buraco negro. Mas, depois, o coração esfria, o corpo esquenta, e olha só nós de novo atrás de um novo coração, um novo corpo, nova paixão e, quem sabe, nova traição. Não, definitivamente, não é tão ruim, a traição, por mais arte que se possa fazer a partir dela, ou nela...
Perder o emprego? Ora, quantos sequer tiveram algum dia algum emprego e ainda assim vivem? Nem falo dos ricos-natos, tipo Jorginho Guinle, ou dos novos-ricos da internet ou de outros negócios de alta rentabilidade e nenhuma segurança, como o tráfico de drogas, o contrabando de órgãos, ou outros crimes. Quantos são autônomos, consultores? Prostitutas e prostitutos, modelos-e-atriz/ator? E escritores? Tem um site na internet, cheio de esboços, projetos, tentativas e mesmo acabados escritores e olha que não existe apenas este, mas muitos sites de escritores, sejam rascunhos ou acabados! Você ainda encontra outro emprego ou, mais certamente, um trabalho que lhe dará - e aos seus - algum sustento, ainda que com pouca ou nenhuma dignidade, sabe como é, a situação econômica...
Problemas? Ah, todos nós temos de todos os tipos, desde aquele ricaço sonegador até o sem-teto, todos de um jeito ou de outro resolvendo um problema e se vendo diante de outro, muitas vezes maior do que aquele resolvido.
Ninguém te ama? Quem te ama você não ama? Quem você ama não retribui? Ame quem te ama, ame quem te odeie, sê indiferente para com quem não existes! Se ame! Uma boa masturbação pode ser tão satisfatória quanto qualquer conjunção, afinal, dizia o Gautama, tudo é ilusão, não?
Só não diga que eu não existo nem nunca existi, que não ouviu meu riso de criança em brincadeiras, nem meu sorriso de gengivas, que não gritei gol imitando você em frente à TV, que não vesti suas roupas me sentindo tudo por ser como você, que perguntei se as meninas eram como nós, que queria saber como se beijava de língua, que tive vergonha de te contar do primeiro beijo que dei.
Não diga que não nasci, ainda que esteja agora morto, um fantasma que ronda tua cama e que é feliz apenas porque um dia, por poucos dias, você e eu fomos pai e filho.
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