ADERBAL, MEU FANTASMA CEREBRAL
Rosi Luna

Paixões unilaterais são grandes causadoras de edemas cerebrais. Da minha parte pulsava com bombeamento de sangue e tudo mais. Nem sei se a recíproca era verdadeira e se ele existiu realmente. Aderbal meu fantasma cerebral, não era nenhum lençol branco voador, era de carne e osso. Mas tinha tantos truques que nunca o vi se materializar na minha frente. Sei apenas se tratar de uma pessoa do sexo masculino dotado de poder paranormal.

Ele arrastava correntes em meu coração, nunca soube exatamente como era seu rosto. Tudo era imaginação. A começar pela profissão dele, além de fantasma, era filósofo. E de quebra ainda posava de pensador para Auguste Rodin. Era muito astuto e inteligente e isso me fascinou como ponto chave. Não importava sua forma física, o seu jeito de se movimentar me encantava. Eu flutuava em seus pensamentos e nas suas pequenas atenções. 

Promete não se assustar, pois bem, vou te contar como o conheci. Foi numa biblioteca, ele simplesmente surgiu no momento em que derrubei aquele livro no chão. Fantasma você conhece sempre por acaso. De repente você fala com o dito cujo e se ele for com a sua cara vai responder. Fantasma que se preza não pode aparecer. Então ele se esconde com atitudes suspeitas. Fantasmas são como simuladores de avião, planejam o vôo para não cair do teto. E simulam o tempo todo. Diria mesmo que são dissimulados, sem querer ofender.

Aderbal meu fantasma cerebral, não sei se estou sendo redundante. Mas é que me apaixonei por ele, desde o primeiro momento que não o vi. Eu só sentia sua presença, como até hoje sinto. Só pessoas sensitivas podem ter a sensação de um frio percorrendo a espinha e um rubor na bochecha do rosto cada vez que ele se aproximava. O estado de paralisia corporal também fazia parte da forma como ficava embevecida com sua suposta presença.

Se apaixonar por um fantasma é aterrorizante, primeiro porque você abraça o vazio, beija o espelho e agarra o travesseiro. Ninguém vai entender. Mas coisas fantasmagóricas são mesmo gregóricas romanas, espartanas e momentâneas.

Não consigo afastar Aderbal de mim, já tentei tudo. Cada dia está mais forte minha atração por ele. Juro que tento não pensar naquele encontro romântico, nos abraços, nos beijos, na dança particular que vou fazer pra ele. Vai ter luz de velas também. Meu fantasma ama velas, vai estar tudo iluminado, afinal amor é chama, tinha até uma poesia que falava disso. Manuel Bandeira bem que podia ensinar pra ele como dá uma bandeira, e também uma dica de como posso me aproximar. De como posso ser uma mulher desejável e o que posso fazer pra ele se materializar só pra mim. Sei que um dia Aderbal me achou escultural, e falava que eu era fenomenal. De início ele gostou das minhas pernas, do meu olhar de neblina e das minhas poesias que são verdadeiras vertentes, correntes que arrastei tentando prendê-lo na minha cadeia amorosa.

Sinto uns calafrios, parece que ele está se movimentando ao meu redor, meu corpo sente o roçar das suas mãos querendo me tocar, querendo conhecer o meu cheiro. Sinto ele próximo me desejando todos os dias, em seguida acho que é tudo elucubração. Confesso, nunca pensei que se apaixonar por um fantasma seria mesmo algo do além. E está além das minhas forças passar um minuto sem lembrar dele. Ele é um morto-vivo, bem que podia dar um sinal de vida, né. Podia ser um fantasma mais camarada. 

Tentei toda vã filosofia para entendê-lo, saber porque gostava tanto de brincar de esconde-esconde. Nem Freud, nem Sócrates, nem Sartre, nada e nem ninguém me deram uma explicação palpável. Hoje continuo amando Aderbal, as minhas seqüelas cerebrais vão de derrame a disfunção nas vias do pensamento.

Aderbal é meu fantasma, meu ectoplasma. Não sei exatamente se ele é somente um amor platônico e unilateral. Tem horas que sinto que foi um amor de letras, fora do planeta. Pode parecer conjectura, mas essa forma de querer me aterrorizar é uma forma estranha de amor. Foge do real é transparente mas é fluente, sinto que sou correspondida de uma forma que ainda vou descobrir. Ele é como um mioma entranhado em mim, meu axioma de puro torpor. Ainda pego aquele voador, meu adorável enganador. E vou dar um susto nele. Búuuuuuuuuu.

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