ASSOMBRAÇÃO
Míriam Salles
Quer saber? Nunca mais vou deixar você me assombrar desse jeito. Chega! Que coisa! Fica aí me perseguindo dia e noite com seus sussurros ao pé do ouvido, me arrepiando inteira com as indecências que me faz imaginar... Acha que é divertido ficar morrendo de vontade de te ver e não poder? Acha que eu gosto de querer te abraçar, te beijar, sentir seu gosto e só abraçar o travesseiro?
Não senhor. Isso é muito, muito chato.
E quando eu estou com meu namorado que o senhor me pega de jeitinho, me cutuca de mansinho até eu ficar como alguém que sentou num formigueiro? Acha isso coisa de gente decente? Eu, moça direita, que nunca nem olhei pro lado saracoteando feito sirigaita e sem ninguém saber porque. Acha isso atitude de gente? Eu, que ganhei meu primeiro beijo na mão, e pra chegar até boca tive que cortar um dobrado, fazer muito bom-bocado, brigadeiro e suco de uva pra vovó ficar distraída na sala. Olha só agora o estado em que me deixou: toda assanhada, querendo coisa que não devia nem saber que existia. Como é que vou olhar meu amorzinho com aquela cara de santa que ele gosta tanto me sentindo assim, pecadora?
Ah não seu malandro, pode pegar suas correntes de vento, suas fumacinhas atrevidas e levar tudo junto com você lá pro seu canto. Me faz o favor de jurar que nunca mais vai sair atrás de mim quando eu tiver que ir velar outra avó no cemitério e também que não vai mais me puxar prum canto com esse arzinho infeliz fingindo que vive sozinho que vi bem as outras todas se esfumaceando por lá quando eu chegava de surpresa.
Não mesmo, seu fantasma fajuto, vai assombrar noutra freguesia que eu agora vou é atrás daquele outro. Não sabe qual? Aquele que conseguiu baixar no corpo do meu Arnaldinho.
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