O
FANTASMA
Luciana Franzolin
Caminhou devagar pelos cômodos escurecidos. A parede úmida dava condições à única forma de vida existente: musgos, liquens, briófitas, plantas que não florescem. Suas mãos percorreram o calor do mofo, buscando um vestígio de calor de pele. A textura embolorada se transformou em uma sensação confortante, deixou que todo o seu corpo se entregasse em contato com o vazio.
Seus pensamentos entorpeciam, mas nada parecido com a paralisia dos sonhos. O lugar era aquele, estava certa, a casa das janelas cerradas, da árvore oca escorrendo verdes pelas frestas. Verdes que se misturavam em um tom semimorto, contrastando com as cores vivas que vestia.
Os olhos quase fechados viam nuvens de passado pairando pelas áreas escuras conferindo-lhes cor, luz, cheiros e sons. As imagens surgiam e se diluíam seguindo o ritmo da sua respiração. Inspirava o ar pesado, velho, e expirava a matéria que formava as nuvens; fumaça densa desprendendo das narinas e lábios.
O corpo dormente ensaiava um gesto, a garganta estiada pronunciava um som, desejava reagir mas queria decifrar o fantasma, e mergulhou mais fundo na abstração. Subitamente exalou todo o seu ser, os olhos se abriram com força, os lábios se contraíram e num espasmo, deixou escapar sua maior luz.
O corpo não era mais morto, absorvia a terra. A vida não era só viva, fluía com a morte. A pele não era mais casca, dissolvia. Os cabelos não eram pêlos, viraram raízes. Os olhos, que não eram mais vendas, perceberam a presença do fantasma. Ele livre, rodopiava, assoprando pétalas roxas que combinavam perfeitamente com o vestido deitado.
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