RÓTULOS
DO PAÍS DE JADE
Paulo Panzoldo*
Dedicado a Mario Prata, criador do NANA - Nem Alcoólicos, Nem Anônimos e
a Glória Perez, autora de "O Clone".
Se eu dissesse que não assisto a alguns programas de TV estaria mentindo, e mentir não é do meu feitio. Assisto a alguns programas com o que resta dos meus neurônios, mais interessado em observar como determinado autor aborda um determinado tema do que pela trama em si. Séries como "Os Normais", "A Grande Família", adaptações como as de "Brava Gente", algumas minisséries, e outros quetais (sic), fazem parte do meu currículo televisivo. Também não nego que, eventualmente, assisto ao "Cidade Alerta", principalmente para saber se e quando meus artigos que tratam das questões da violência e das drogas chegam às mãos do apresentador. Chegam! Virou mexeu, lá está o Datena, citando minha marca registrada, esfregando as mãos e olhando à direita, apertando os lábios com a dor de quem já passou - como pai - pelo problema.
Na novela "O Clone" meu interesse não está no próprio, muito menos na "odalisca". Se existe uma rapidinha bem dada foi aquela, nas ruínas marroquinas. Meu interesse maior é no personagem Lobato, o eterno e "irrecuperável" viciado. Eu não sei de que lado você vê a questão das drogas e do álcool, se do lado moral, religioso, ético ou jurídico. Eu vejo do lado do viciado.
Se existe uma Verdade neste mundo é aquela que diz: "errar é humano e perdoar é divino", afinal só o Homem erra e só Deus perdoa. Nós, dependentes químicos, somos julgados a todo e a qualquer instante, e Glória Perez tem abordado o tema de uma forma que eu nunca tinha visto na TV. Livrar-se dos rótulos que nos foram impostos torna-se tarefa mais difícil que deixar o vício. Este, basta viver um dia de cada vez, como nos ensinam os Alcoólicos Anônimos. Isto significa matar um leão por dia, mesmo que o viciado esteja "seco e limpo" há muitos anos. A vontade bate forte, é o leão avisando: "aí, cara, estou aqui para, juntos, enfrentarmos o mundo que não nos compreende". Cabe a cada dependente decidir por si mesmo se mata o leão à unha, ou se corre em sua direção para abraçá-lo, cheirá-lo, bebê-lo, injetá-lo. Maldita vontade! Poucos segundos de reflexão bastam para a decisão. Já, arrancar os rótulos, é tarefa bem mais árdua.
O sujeito quer mostrar ao mundo que é um Vencedor, e é, ele é um Vencedor, mas tem um rótulo colado à testa que diz que ali se encontra um fracassado, fraco, bêbado, drogado, irresponsável, vagabundo. Não importa o termo, o rótulo é um só: viciado! Do preconceito surge outro leão para reforçar aquele outro: a agressividade. O sujeito tem vontade de bater, matar, arrebentar, voltar à doce ilusão criada por aquele mundo negro, mas onde tudo, absolutamente tudo lhe é possível de ser vivido, sem quaisquer limites, dogmas ou preconceitos. Se o sujeito é sensível como eu e sair agredindo sem recair, sente-se mal, muito mal. A conseqüência é a imediata necessidade da fuga. O leão da vontade cresce então, fortalecido pela "covardia", e o dependente o vê atrás de si, lhe chamando: "volta!". Outras vezes o sujeito tem vontade de desaparecer, largar tudo, fugir, mas não tem para onde, a não ser a recaída. Recomeça o ciclo infernal.
Ao abordar a questão da dependência química de maneira aberta e, de certa forma, realista, a autora da novela alerta: faz-se necessário discutir o assunto de maneira aberta! Dá um glorioso (perdoe o trocadilho) "Não!" aos carolas de plantão. Alerta para o fato de que nós, dependentes, somos obrigados a nos esconder atrás do anonimato para não sermos julgados por um bando de hipócritas, tornando-se muitas vezes impossível escaparmos da recaída.
E tudo isso ocorre por termos errado uma vez. Uma única vez!
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