QUEM FAZ UMA, FAZ DUAS,
FAZ TRÊS
Míriam Salles
Lindomar seguia pela rua cantarolando a modinha de Adoniran e pensando nos últimos acontecimentos.
- Se eu deixar ela ficar, como é que vai ser? No bar, vão começar com aquela gozação de que a porta vai ter que ser aumentada pra caber o ornamento. Lembro bem como foi com o Antonio, até começaram a quebrar o beiral até a hora que ele começou a quebrar tudo. Será que todo mundo sabia e só eu que tava dando uma de trouxa? Eu que fiz de um tudo pra Rosalva, dei cama de casal com colcha de chenile, dei vestido vermelho, dei aquela roupa preta que me deixa doido. Será que ela ficou assim porque não dei o anel colorido? Custa caro aquela desgraceira e o de vidro ela já disse que não põe no dedo nem morta. Mas agora também nem adianta, já mandei ela fazer a trouxa e se mandar. Ela chorou, implorou, pediu, mas eu não sou homem de levar coroa na cabeça. Ô meu Deus, que eu faço?
Virou a esquina e viu o barraco de longe. Na porta umas duas vizinhas fuxicando. Decerto tinham ouvido a briga e agora estavam lá adulando a infeliz. Virou as costas e tornou a descer a rua. Nem sabia pra onde ia, não sabia o que pensar.
- E se eu deixar ela ficar? Ela é tão linda. Aqueles cabelos tão compridos que me servem de coberta. Aqueles olhos pretos, a boca vermelha. Ah, meu Deus, aquela boca que outro beijou. Será que ele também se enrolou nos cabelos? Diz o ditado que quem erra uma vez, erra duas, erra três, mas e se eu prender ela em casa? Dizer que só sai comigo? Prometer que compro o anel mais o fogão da dona Joaquina com o primeiro dinheiro que entrar? E se eu deixar ela ficar? Também, ela nem fez nada. Ela jurou chorando com aqueles olhos que fazem arrepio que foi só um beijo e que ela nem gostou. Vai ver era isso mesmo, aquele desgraçado que forçou a minha Rosalva. Foi ele quem fez ela se perder. Aquela pobrezinha, tão miudinha que se esconde detrás daquela cabeleira. Vai ver eu nem devia ter mandado ela embora. Ah, mas eu mato aquele infeliz. Ele vai ver se algum dia ainda pega outra rapariga e desencaminha. Vou é já à cata dele e ele vai ver se ainda sobra estória pra contar. A turma do bar vai é me olhar com orgulho, vão saber que eu não deixei gaiato nenhum virar a cabeça da minha Rosalvinha.
Olhou em volta pra ver onde estava e tomou o rumo da casa do alemão. Sabia onde era. Passara em frente algumas vezes e o havia visto sempre com uma mocinha diferente no maior descaramento.
- Será que um dia ele trouxe minha Rosalva aqui? Será que ficaram assim, no maior descaramento na frente de todo mundo? Ah, meu Deus, se ele fez isso vou ter que matar ele. Só matando que os compadres vão ter respeito por mim de novo. Vou ter que matar ele e ela. Mas como vou matar minha Rosalva se ela jurou de joelho que não fez nada? Se eu matar Rosalva como é que vou fazer pra ter os meninos, Lindolvo e Lindoval, pra me ajudar nas empreitadas. Rosalinda que ia ser o xodó da casa e os meninos iam ter que aprender que quem mexesse com ela ia ter que se ver com os irmãos. Bem disse a mãe que esse negócio de contar com as galinhas antes dos ovos tava errado.
Olhou as janelas fechadas da casa do alemão. As luzes apagadas, nem um sinal de movimento na casa. Virou de novo no rumo de sua casa. Pelo canto dos olhos viu que a cortina da casa da frente se abria um pouquinho. Decerto o alemão também tinha vizinhas fuxiqueiras.
Chegando em casa viu que as vizinhas ainda estavam em frente ao portão. Abaixou a cabeça para nem ter que cumprimentar e foi entrando, ouvindo o burburinho a sua volta.
Na casa vazia procurou sua Rosalva, decidido a ter uma conversa e resolver de uma vez a situação. Mas Rosalva não estava. Não estavam suas roupas no armário nem a colcha de chenile sobre a cama. No colchão só um bilhete de adeus assinado por Rosalva e alemão.
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