ERRO
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

Tentava me concentrar na leitura do livro do Eco mas andava meio disperso ou melhor, ansioso. Apostava que Ela iria voltar logo, arrependida, qual cadela com o rabo entre as pernas, e por conta disso divagava arquitetando planos sórdidos de vingança, me preparando para a saborear o dito prato que se come frio. Seria a minha vez, daria o troco, revidaria, mostraria do que eu era capaz. Instintos ancestrais me moviam lenta e letalmente. Questão de honra, sobrevivência, luta pela fêmea, demarcação de território... Não, aquilo não podia ficar por isso mesmo.

Consciência de que eu estava agindo passionalmente não tive. Latinos, somos assim mesmo; bem o sabes. Já tinha chorado um oceano, bebido um outro, e encharcado de álcool cambaleado literalmente entre o trágico e o cômico, entre um bar e outro, expondo-me ao ridículo. Quis morrer, matar, esquecer, afogar as mágoas em outros braços... Vivi na real um enredo brega, digno de um dramalhão mexicano.

E quando Ela veio, como eu esperava que viesse, Madalena arrependida, disse o que eu queria ouvir: que eu tinha razão. Só isso? Apenas isso. O suficiente para me desarmar. Nem me deu tempo de apedrejá-la. Os planos de humilhá-la foram por água abaixo e eu me senti leve como se tivesse acabado de uriná-los. O dia da revanche virava dia do perdão.

"Sei.", eu disse. Sentindo-me dono da razão e da situação.

"Me aceita de volta?", pediu.

"Vou pensar e te ligo." 

Ela deu um sorriso e saiu. Lá fora começava a garoar mas Ela não se importou e foi em frente, confiante, lavando sua culpa.

Aquela noite dormi sóbrio o sono dos justos. Não sabia ainda como iria lidar com o dia seguinte, com o recomeço, com o meu machismo de dois séculos. As pessoas iriam me advertir: "Erra uma vez... ". E eu poderia fazer ouvidos moucos ou seguir seus conselhos. Mas não fiz nem um nem outro. Apenas deixei a caravana passar como passaram os dias, a semana, o mês, os anos. 

Nunca nos resolvemos. Fizemos amor, brigamos, nos reconciliamos, traímos um ao outro até que houve um parêntese em nossas vidas: a partida, que nos pareceu resolver tudo.

Agora além do tempo também mar e terra nos separam. Às vezes me pego questionando se não fiz tudo errado mas já não busco culpados; haja vista que ninguém há de julgar-nos pelo o que não fomos. E mesmo que o fizessem, não seriam justos. Porque aos jovens, aprendizes da vida, tudo é permitido e errar faz parte do jogo.

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