SÓ QUEM NÃO VIVE
Carlos de Paula

Erra uma vez quem não vive. Quem não sente a lástima de prometer a si mesmo nunca mais fazer aquilo e de repente se ver no meio daquilo mesmo, como autor e ator.

Pensando nisso, Osmundo entrou em sua BMW M5 e respirou o passado. Perfumes e olores agitaram seu cérebro, as engrenagens se encaixavam automaticamente.

Desde quando? Desde 1981. A paisagem ao seu redor mudava com o avanço do carro. Aquela mesma mulher, forte presença em sua vida, poderosa como não pode ser um motor de 400 cavalos e 8 cilindros.A mesma mulher carregando marcas pelo corpo e pela alma de 21 anos de erros seus, erros conjuntos, erros individuais, mas sempre com o corpo gostoso, o riso suave, o olhar carinhoso e profundo, as mãos acalmando sua febre com suavidade. Esticou-se um pouco e roçou as costas no banco de couro, que ofereceu apenas a resistência suficiente para massageá-lo.

O que foi hoje não contava, o que havia de importante é que cada falha, cada vez em que via tristeza nos doces olhos da mulher e reconhecia sua responsabilidade por isso, cada uma e todas elas pareciam estar acabando com sua vontade de viver. Acelerou e o carro voou, vencida a resistência do ar pelo estilo aerodinâmico do nariz, da traseira e dos retrovisores laterais. Não conseguia acompanhar as imagens sucedendo-se na velocidade da memória.

À sua frente um Fuscão amarelo, à frente dele a descida do Colorado, a chegada à Asa Norte. Um toque no volante, a saída para a esquerda, o caminhão engolindo a tecnologia alemã.

Quando foi? 1997, Rio, um porre federal, o Viaduto dos Marinheiros pequeno, o carro atrás com farol alto, a puxada para a esquerda para lhe dar passagem, a descoberta da poça d´água, o carro virando barco, a perda total do veículo, a sobrevida após o erro quase fatal.

Imobilizado pelos bombeiros, um último olhar para o que fora seu sonho de consumo. Erra uma vez só quem não vive.

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