BISCOITO É POUCO
Ubirajara Varela

Conheço e já provei. Aqueles saborosíssimos biscoitos da Vovó Dolores. Feitos com maestria, carinho, amor e dedicação. Assim como quem cria um filho. Ou, como quem adula um netinho. Ainda, como quem cuida da vida da pessoa amada com as próprias mãos, de forma divina, temperando-a com pitadas de prazer e cozinhando-a em fogo brando.

Disse-me que a receita ela herdara de uma mulata mucama da fazenda de seu avô paterno, por ter livrado a escrava de algumas chibatadas. Do motivo do castigo, nem ela nem ninguém mais se lembra. Mas do maravilhoso biscoito todos se recordam. Não existe quem se esqueça. Um segredo da senzala, que a negra lhe cedera. (Na verdade, a tal receita não é nada misteriosa. Polvilho de mandioca, água, ovo, açúcar, pitada de sal. Simples assim. O segredo reside mesmo é no preparo. E isto, Vovó não ensina a ninguém.)

Certa vez, enquanto eu acompanhava uma fornada, perguntei à velha Dolores se ela gostaria de ter uma outra vida, que não fosse a de biscoiteira, mesmo sendo tão boa no que faz. Ela fitou o longe que a janela da cozinha permitia e me respondeu depois de alguns instantes:

-Bem, meu filho... Eu sou muito satisfeita com a minha vida, sabe?! Criei todos meus filhos sem deixar nada faltar para eles, meus netinhos estão crescidos, já vi até a lindinha da face de meu primeiro bisneto. Graças a Deus! Mas se eu pudesse... Ah, se eu pudesse!... Eu trocava sim. Largava essa vidinha monótona, tacanha... Ia ser motorista de caminhão e conhecer o mundo.

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