SE EU
PUDESSE...
Sonia
Lencione
Ah! Se eu pudesse voltar no tempo queria de novo ser a menina sapeca que fui.
Iria subir em árvores como um garoto.
Empinaria pipa, correria atrás de borboletas. Nadaria no riacho e me balançaria naqueles antigos balanços de corda que papai fazia. Impulsionaria o meu corpo cada vez mais alto, mais alto... aquela música que cantávamos enquanto nos balançávamos... a minha irmã, minha primas... que alegria recordar aquela música. Ainda posso ouvir as nossas vozes infantis cantando-a tão alto quanto conseguíamos.
Juro que me penduraria de novo nos galhos parecidos com cipós de minha planta favorita de roxas flores (chamávamos-na de São Jorge). Era o encanto do jardim de mamãe.
Também iria colher "peludinhas" (umas frutinhas amarelinhas muito gostosas) da chácara vizinha. A velha tacanha preferia vê-las forrando o chão, mas não queria nos dar o gosto de desfrutá-las. Fecho os olhos e a vejo vindo em nossa direção com aquele corpo miúdo e deformado nos xingando em seu dialeto. Vejo a mana e eu correndo, segurando nossas saias levantadas para que nossas preciosidades não caíssem.
Ah! Eu sonharia de novo deitada sob as jabuticabeiras. Agradaria os animais chamando-os pelos nomes.
Cedinho eu me empoleiraria sobre o fogão de lenha e tomaria o café da manhã olhando as brasas que crepitavam.
Caminharia descalça sobre a relva molhada.
Namoraria o maior abiu e aguardaria que amadurecesse.
Sujaria minhas roupas e me lambuzaria com o sumo das frutas de nosso pomar com o mesmo prazer de sempre.
Desafiaria a gravidade tentando alcançar as pitangas daquele pequeno pé que achou de nascer na beira do abismo. E tentaria também alcançar as flores dos cactos que se avizinhavam da pitangueira.
Construiria castelos de sabugos com a mesma criatividade.
Choraria para que trouxessem o "Bolinha" (um cabritinho que foi vendido para virar um belo assado no Natal - se bem que só soube disso quando já tinha idade para entender) de volta; e para que nunca matassem o "Neno" (o meu porquinho favorito).
Pegaria no colo todos aqueles gatos de novo e deixaria que pulassem em meu colo tão logo eu me sentasse.
Esperaria aquela boneca encantadora que foi tão ansiosamente aguardada. Ela era inacessível e precisei crescer para entender isso.
Também me encantaria com cada novo amanhecer e me deslumbraria com cada pôr-do-sol.
Sob o luar viajaria para o futuro imaginando novas terras.
Tanta coisa linda ficou lá atrás, mas enquanto vou narrando tudo, descubro que dentro de mim elas continuam existindo. Tão vivas como antes.
O tempo nada significa.
A mulher chegou, amadureceu, mas guarda dentro dela uma menina que nunca morreu.
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