SALIVA
NA PENA
Reinaldo de Morais Filho
Se eu soubesse escrever teria nas páginas rasas da minha agenda-branca-sem-graça os traços sinuosos do teu corpo, o contorno delicado dos teus lábios.
Teria uma noite erótica, os teus dedos perdidos, a fumaça do cigarro que se apagou no carpete, os gemidos roucos, os gritinhos, as mordidas em meu ombro, as marcas.
Se eu soubesse escrever, o faria com a saliva quente que senti pingar na minha boca, no meu pescoço, no meu peito, no meu umbigo, no meu corpo abaixo até o tornozelo.
Descreveria o tempo infinito que se passou no instante ínfimo que nos trancamos com o pecado. E
facilmente teria explicado a relatividade dos segundos, a incerteza da religião; teria concreta a abstração do orgasmo.
Se eu pudesse desenhar, em letra disforme, que seja, os abraços, o calor... Se eu pudesse, mesmo que em pinturas primatas gravar nas rochas as carícias, o toque, o vento suave que passou rasante sobre minha pele desnuda...
Ah, se eu soubesse... Apenas escrever, em um pedaço de papel qualquer, os traços rosados que dominaram tua cútis no momento de máximo prazer, este encontro ocasional, a despedida eterna, o carpe diem sem culpa, a beleza sem perguntas, já teria a mais linda das poesias.
Mas como poderia fazer isso sem ser julgado, condenado, enforcado e pisoteado pela hipocrisia que domina as mentes promíscuas de todo ser humano normal; a hipocrisia que atira pedras para calar a verdade e tornar mais leve a consciência, sem dó, nem piedade, nem razão...
Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.