MAS
QUE DÁ VONTADE...
Paulo Panzoldo*
Quase fui preso esta semana.
Às vezes, a diferença entre uma ação e sua conseqüente reação resume-se num simples "quase". Não que eu tenha escapado da Polícia, pois nem mesmo precisei fugir e como só foge de Polícia quem a teme, significa que tive vontade, mas não cometi crime algum.
Dias há que tenho vontade de ir preso e creio que se não fosse a sujeira, a superlotação, bem que a cadeia seria um bom lugar para dar um tempo, relaxar, repensar. Nada de credores, devedores, sogra para aporrinhar. Mas a coisa não é bem assim e ficar preso deve ser pior que dar beijo em ferro de passar. Andei lendo Latini junto com jornal e posso recomendar-lhe que não cometa o mesmo equívoco, pois você sentirá, sim, uma vontadezinha de ir preso. Bastou a leitura de dois artigos para que eu entrasse em surto psicótico.
Um dos artigos comentava a tal da Lei antielisão, ou seja, o contribuinte não poderá mais utilizar a Lei para se defender dos descalabros provocados pela ideologia da arrecadação vigente em nosso País. Se lhe cobrarem duas vezes o mesmo imposto, pague e fique quieto caso contrário, como sonegador, vais arcar com as conseqüências, inversamente proporcionais ao valor do tributo: quanto mais alto o valor da sonegação, menor a pena a ser cumprida. O grande problema dessa Lei é que, além dela ferir os mais básicos princípios do Direito, também abre um precedente cujos resultados podem se tornar assustadores, uma vez que o mesmo princípio pode ser levado aos Códigos Civil, Penal e tudo o mais que interessar ao Estado. Chamam isso Democracia. Eu, Ditadura!
O outro artigo alertava que todos - todos! - os nossos documentos não têm validade alguma a partir do dia sete de abril passado. Um visionário Senador da República decidiu, há cinco anos, desburocratizar a cidadania e a Lei entrou em vigor cinco anos depois sem que ninguém notasse. Na prática, a Lei não passa de... uma Lei. Cumpri-la ou não é só uma questão de vontade. Até agora não li mais nada a respeito, nem mesmo uma única frase sobre revogá-la e, caindo novamente no esquecimento, algum maluco poderá, a qualquer tempo, regulamentá-la, tornando-nos apenas um único número, facilitando assim o controle estatal sobre cada um de nós cidadãos.
Como havia levantado com o pé esquerdo, não deu outra: enviei e-mails a meus melhores amigos avisando-os de que iria cometer um ato de loucura. Decidi ir até o Obelisco de 32, no Parque do Ibirapuera e, pelado, tentar abraçar o tal. Como eu tinha uns problemas a resolver pelo Centro da cidade, não aguardei a resposta das mensagens e tomei um ônibus. Na esquina das Avenidas Brigadeiro Luís Antônio e Brasil, existe um farol. O farol fechou e de lá eu avistava o Obelisco. Fiquei imaginando a cena. Primeiro teria que distrair o policial que sempre fica por ali. Depois, já atrás do monumento, iniciar meu strip. Concluído, iniciaria o abraço e aí não deu mais para segurar. Imaginar o gordo aqui, com os cabelos grisalhos tentar abraçar aquilo lá. A cada tentativa, quem visse de fora, pareceria que eu estava tentando fazer sexo com o monumento. Nada mais! Logo, alguém avisaria o policial lá do outro lado e aí começaria a correria. Eu com todos os pneumáticos e acessórios balançando e o meganha atrás.
Desandei a rir no interior do ônibus e só dei pela coisa ao ver que todo mundo olhava para mim com aquela cara de "tá rindo de quê carapálida? Nós aqui num aperto danado e você aí rindo que nem trouxa". Disfarcei, peguei meu anonimato e tentei segurar o riso. Isso por que você aí do outro lado não me conhece e não consegue imaginar a cena como deveria, caso contrário estaria rachando o bico.
Voltando para casa, baixo meus e-mails e encontro as respostas de meus amigos: NÃO FAÇA ISSO! CALMA! e outras coisas do gênero. Eles acreditaram... então vou tirar, ah se vou. Vou voltar lá e fazer tudo como havia planejado. Já ia saindo de casa novamente quando toca o telefone. Era minha sogra querendo falar com minha esposa, que não estava em casa. Desisto de sair, afinal, mudar a cara do Brasil não está em minhas mãos, não posso mudá-la sozinho, se pudesse já o teria feito há muito tempo. Mas que dá uma vontadezinha de ir lá e tirar a roupa, lá isso dá, sim!
* O autor passou a ser absolutamente Ninguém a partir de 07.04.2002.
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