AH, SE EU PUDESSE...
Lena Chagas

Sem esquecer a conotação romântica e onírica que costumamos dar à expressão quando a suspiramos pela vida afora, sinto-me tentada a vasculhar o seu sentido obscuro.

Mas antes que possam imaginar uma tese ou um tratado a respeito, esclareço que minhas observações estão muito longe de uma avaliação hermenêutica ou de uma análise sintática. Menos provável ainda, é que tenham qualquer pretensão psicológica ou filosófica, ou algum cunho científico. Na verdade, não passam de uma autocrítica, porém, na 3ª pessoa. Mero disfarce.

E é assim, que, não poucas vezes, nos socorremos de um “Ah! Se eu pudesse...” , para justificar - ou até fugir de - uma decisão que deveríamos tomar. É mais cômodo, diminui a polêmica e, de quebra, adia a solução sem nos comprometer, já que existe uma condição alheia à nossa vontade, ali embutida.

Mas a frase não revela apenas uma condição. Através do verbo ela anuncia que há algo (ou alguém) nos impedindo de realizar tal coisa. É como dizer: “Quem me dera...!” ou “Não depende de mim...!”. 

Jogamos a um “terceiro” a responsabilidade da realização (ou não-realização), nos protegendo e nos isentando do compromisso. As razões que nos levam a agir assim são um universo à parte. Também obscuro.

Mas nem sempre mascaramos nossos desejos dessa forma. Muitas vezes gostaríamos de realizá-los, mas impedimentos concretos, verdadeiros, não nos permitem.

Ocorre, porém, que nossa tendência para criar obstáculos irreais é enorme. Principalmente se o caminho a percorrer exigir algum esforço ou acarretar mudanças. 

Mentira? Tentemos nos fazer a pergunta: se tivéssemos a chance de retroceder no tempo ou nascer de novo, realmente a aproveitaríamos para refazer nossas vidas? Não indo tão longe, nos perguntemos se a partir de agora, neste momento, tomaríamos aquela decisão há tanto tempo postergada. Pronto! Respiramos fundo e quase automaticamente, nos vem ela: “Ah, se eu pudesse...” 

E assim transformamos nossos desejos numa longínqua hipótese, até que o tempo os dilacere. 

Enquanto isso, nossos sonhos e os de quem amamos são alimentados com suspiros de impossibilidades: Ah, se eu pudesse, te daria as estrelas... Ah, se eu pudesse, largaria tudo para viver contigo... Ah, se eu pudesse... Ah, se eu pudesse... 

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