AH, SE EU PUDESSE VOLTAR NO TEMPO!
Gil Cordeiro Dias Ferreira

Era nos anos 50. Tórrida tarde de sexta-feira de dezembro. Saltei do bonde 66 - Tijuca na Rua da Carioca, em frente ao Bazar Francês. Considerei um chope no Bar Luiz, mas preferi andar um pouco. Enveredei pelo Largo, mirei o prédio da Exposição, olhei ao acaso alguns livros à venda na Freitas Bastos e os mais recentes discos oferecidos pela Palermo. Hesitante entre a Cavé, a Lalé , a Silvestre, a Mineira, a Bols, a Colombo e a Manon, decidi-me pela última, onde um café italiano me deu vontade de fumar. Atravessei o Tabuleiro da Baiana, enveredei pela Galeria Cruzeiro, pedi na tabacaria um maço de Continental - o azul, sem ponta; mas só havia o cor-de-rosa, com ponta. E lá fui, Rio Branco abaixo, mirando com carinho o Café Nice, o Jockey, o Clube Naval, o Teatro Municipal, o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Supremo Tribunal Federal... Pensei em fazer hora nas sessões passatempo do Capitólio, ou do Cineac Trianon, mas fui conferir os filmes do Pathé, Império, Odeon, Palácio, Plaza e Metro - Passeio. Do Palácio Monroe, alguns senadores já se encaminhavam para a Cinelândia, juntando-se a Deputados Federais que vinham do Palácio Tiradentes, na Praça Quinze, e a Vereadores do DF, que deixavam seus gabinetes na Gaiola de Ouro. Distribuíam-se pela Mesbla, para compras de Natal, ou para aproveitar o ar refrigerado perfeito; ou pela Americana, para um spumoni misto; ou pelo hall do edifício Francisco Serrador, na esquina de Senador Dantas, a comprar ingressos para o próximo show de Carlos Machado; ou pelo Amarelinho, que já fervilhava, perto das esquinas de Evaristo da Veiga e 13 de Maio - aqui, os sons do Bola Preta já se insinuavam. Numa banca de jornais, li as últimas manchetes do Correio da Manhã, do Globo, do Jornal do Brasil, do Jornal do Commércio, da Tribuna da Imprensa, do Diário de Notícias, d'O Dia, d'A Noite, da Última Hora...Os pequenos jornaleiros de D. Darcy Vargas já começavam a vender o vespertino Diário da Noite. Alguém a meu lado comprou O Cruzeiro, Manchete, a Revista do Rádio e A Cigarra. Na porta do edifício São Borja, nº 277 - colado no Civitas, que faz esquina com a Santa Luzia e vai até a Rua México - o movimento era grande: sede do PTB de Getúlio e da Rádio Copacabana, dos espíritas. No subsolo, o Dancing mais badalado da cidade; no térreo, à esquerda, a Casa Carlos Wehrs anunciava instrumentos e partituras musicais, e, à direita, o Paisano oferecia a melhor comida italiana da cidade. E num dos andares mais altos...o Senadinho, onde os políticos que não faziam nada encontravam as meninas que faziam de tudo. Mas preferi entrar no nº 311 - o edifício Brasília. E lá da cobertura, de um sigiloso rendez-vous de um amigo, mirei a Guanabara. Comecei pelo Calabouço, prossegui pela Beira - Mar, tentando descobrir como teria sido a Praia de Santa Luzia. Nada de aterro, ainda. Uns braços macios me enredaram, um cheiro de Arpège encheu o ambiente, do rádio veio a voz dos Cariocas de Ismael Neto, cantando a Valsa de uma Cidade, de Antonio Maria; e logo a seguir, Copacabana, de Braguinha, com Dick Farney. A namorada me trouxe um uísque Presidente, em copo alto com as marcas "for men" e "for ladies", mais um bastonete de vidro para mexer, com um passarinho de porcelana no topo. Salgadinhos da Colombo, água mineral Salutaris. Escureceu, ligaram-se os repuxos da Praça Paris, coloridos, em meio aos ficus recortados em formas de animais. A Light & Power começou a acender o Rio. Ao longe, o Pão-de-Açúcar montava guarda à Baía de Guanabara. Visão paradisíaca, aguçada pelas longas unhas vermelhas que me roçavam a nuca, trazendo-me o indescritível êxtase de ser carioca.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.