PROSOPOPÉIA
Fred Leal
Luizeca. Era assim que José Carlos Luiz era chamado. E, como acontece em todo bom apelido, ele odiava. "Não impõe respeito!" dizia ele para os amigos da faculdade de Administração, que não davam a mínima para as constantes reclamações. "Ah, se eu pudesse... Eu mudava de nome!" vivia pensando o rapaz.
Numa manhã chuvosa, Luizeca acordou assustado, suando frio. Não era mais Luizeca, seu nome agora era Robervil. Pelo menos, era assim que se sentia. Luizeca se sentia Robervil.
Levantou da cama de supetão, correu até a calça pendurada no cabide e sacou a carteira. Folheando os documentos, entre alguns cartões de visita que ele não se lembrava de ter pegado, Luizeca encontrou sua identidade. Estava escrito Robervil. Robervil Carlos Luiz. Filho de mesmo pai e mesma mãe que Luizeca, nascido na mesma cidade, com o mesmo rosto espinhento na foto 3x4. Mas Robervil era seis anos mais velho. E Luizeca agora era Robervil.
Embasbacado, Robervil sentou na beira da cama e começou a averiguar seus documentos. Nada de carteirinha da UNE, ou do clube. Apenas papéis rabiscados com telefones que não reconhecia, um documento do sindicato de detetives particulares de São Paulo, e os já citados cartões de visita desconhecidos.
Foi até sua gaveta, e ao invés das pastas e livros de faculdade, encontrou duas armas, algumas fotos instantâneas e um calhamaço de anotações tão incomuns quanto a situação pela qual passava. "Meu Deus! Eu sou o detetive Robervil! Como isso foi acontecer?!", ele gritava, desesperado. "Ah, se eu pudesse, eu deixava tudo do jeito que estava! Luizeca é um apelido tão carinhoso... Porra, eu sou Luizeca! Quem diabos é Robervil?!"
Mas a identidade não enganava. Luizeca era Robervil.
Acendeu um cigarro ("Mas Luizeca não fuma!", disse ele) e começou a circular pelo quarto, nervosamente, tentando entender o que estava passando. Seu rosto se enrugava em dúvida cruel, seus passos eram cada vez mais rápidos e desajeitados. Balançava os braços, como se pudesse atrair uma resposta. Murmurava entre tragos "Robervil... Robervil... Como eu acabei Robervil?!"
Enquanto isso, na sala, dois rapazes conversavam, esparramados pelo chão, entre guimbas de cigarro e garrafas vazias...
- Ah, se eu pudesse... Eu enfiava o Luizeca numa banheira de água fria, com roupa e tudo!
- Será que essa viagem dele não vai acabar, não?! Eu quero voltar pro meu quarto!
- Pô, Robervil... Cê não pode mais deixar seu irmão tomar LSD!
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