VIAGEM AO REDOR DAS HORAS
Bruno Freitas
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornava as horas do jeito que eu bem quisesse. Tornava a ser criança a brincar no terreno baldio dos meus dias, e voltava a ser plenamente feliz como qualquer infante sem qualquer preocupação que não fosse o bom desempenho escolar.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornava as horas do jeito que eu bem entendesse. Nascia em berço de ouro, herdeiro do trono da Inglaterra, a demorar até a velhice para tornar-me Rei.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornava as horas do meu próprio jeito. Simpatizava mais com o semelhante, ainda que não fosse tão semelhante assim.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornava as horas apenas por suposição. Voltava àquela quarta-feira que briguei no
trânsito com aquele infeliz que cortou meu caminho, e ignorava-o como um não sei o quê sob quatro rodas...
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornava as horas e corrigia alguns de meus erros. Dormiria tranqüilamente com a cabeça pesando sob o travesseiro.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornava as horas, aproveitando cada minuto. Divertindo-me com as pequenas coisas, que passaram por mim despercebidas, enquanto eu perdia tempo planejando o futuro.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornaria as horas, circulando pela tangente, até descobrir os números da MegaSena acumulada. Ganharia tanto dinheiro que teria que
rasgá-lo, tacar pedra na lua, e até mesmo cagar azul...
Ah,se eu pudesse voltar no tempo, contornaria as horas, e viajava pra lua. Escutava mais Morengueira, veria o Miles Davis no Brasil, assistiria ao show do James Brown e do George Clinton no FreeJazz. Visitaria a Serra da Cantareira no auge dos anos 70 entre o A e o Z.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornaria as horas, e desconversava muita coisa que já disse um dia.
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, contornaria as horas, mesmo que só por curiosidade. Pra me ver bem pequenininho. E começar a entender toda essa coisa que
fui eu, e ainda o sou, e cada vez mais sendo...
Ah, se eu pudesse voltar no tempo, e contornar as horas, seria apenas o mesmo de meu próprio jeito, como bem entendesse e quisesse. Deixaria as coisas com estão, e não mudaria nada não. Nascia de novo no dia dezenove de setembro de mil e novecentos e setenta e quatro, seria filho de Luzia mesmo, com Evandro com ‘agá’, neto de Luiz, Maria, Moacir e Tércia mesmo.
Por volta do ano de dois mil e dois, no dia nove de abril, eu queria estar aqui mesmo, na frente da tela deste computador, ouvindo o Luiz Gonzaga ao vivo no Teatro Tereza Raquel, enrolando vocês na conversa, casado com Cristina e esperando um filho, ou uma filha.
Ah, se eu pudesse contornar as horas, viajava no tempo, e seguia anos luz de distância. Mesmo que fosse apenas um ano
a frente... Só pra ver quem seria no meu futuro.
Uma talvez Iara/...
...Um quiçá Luiz.
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