CÉU DE BAUNILHA
Adlai Hoartmann

...que?...

...eu quis comentar alguma coisa, não me lembro, disse que sim ou talvez e até me deixei levar pelo momento, uma boca boa pra se beijar, uma língua que diz tudo assim, na lata, na saliva, ela brincou com as minhas orelhas e sussurrou para que eu abrisse meus olhos, eu quis comentar alguma coisa, como se estivesse engasgado, ou amordaçado, mudo involuntário, não sei ao certo se o que eu queria veio antes ou depois da dor de cabeça, puta dor de cabeça que não me deixava enxergar, dois dedos em minha espinha, arrepios, frio, o chão nu, língua pelas curvas da orelha, abra os olhos Antero, e por instantes eu (?) não era mais Antero, ou havia deixado de ser, ou nunca fui, na falta de identidade aceitei o Antero, como cão sem nome atendendo a um chamado, não sei se cheguei a comentar alguma coisa, não sei, algo como a alça da blusinha que caía, atrevimento de seios vacilantes, ou se fui pedir desculpas, hiato de consciência, mas não tinha dormido bem não, uma puta dor de cabeça, parecia torcicolo, apertava os olhos pra ver além do embaçado dos olhos, havia duas pessoas, um homem sentado à máquina, uma mulher de joelhos que vinha até a mim, a mulher e a mesma boca, se eu pudesse falar-lhe comentaria alguma coisa sobre o que estava acontecendo, não pude, ou não deveria comentar, não sei ao certo se cheguei a pedir desculpas pelo atrevimento, frio, chão nu, eu de cuecas, de voz abafada por uma mão, por uma mordaça, tonto, vesgo, do meu nariz escorria algo vermelho, parecia sangue e tinha gosto de ferro, eu acho que pedi desculpas e algo me atingiu pelas costas, sussurros e ferros retorcidos, abra seus olhos Antero, ah se eu pudesse...

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