SOLTANDO
PALAVRAS
Rosi Luna
O que você faria se acabasse de acordar,
com aquela cara de gato com olhinho apertado, e alguém
telefonasse e fizesse a perguntinha chave: "E aí, o tema da
semana, já escreveu?" Que tema, acabei de acordar, morta de
sono e preguiça. Sinto muito, dessa vez não vai dar, não
consigo fazer nada assim com o tempo contado. Falta uma hora para
o prazo. Santo Expedito das Causas Impossíveis, será que não
é meia-noite? Não, cara pálida é meio-dia. Menina, esqueci
toda regra pra escrever meio-dia e 30 minutos. Como é mesmo?
Meio-dia e meia. É isso, se fosse essa hora ainda teria meia
horinha, pra pensar mais um pouco. Essa coisa de horário rígido
me lembra exército, logo "palavras em frente,
marchem". Tá certo, estamos quase na metade do dia e nem
sinal da idéia. E tem um metido de um relógio, bem aqui na
minha frente rindo da minha cara de atrasada. Como perco as
coisas, pra que serve a agenda se não marco nada nela? E o
relógio então, serve pra enfeitar o pulso, não vejo muito as
horas passando.
Um parágrafo já foi, e agora escrevo o quê? E esse
"que" tem acento ou não tem? Não vai dar pra conferir
na gramática, vai assim mesmo. E o relógio rindo, não vai dar
tempo. Encara como se fosse uma corrida de palavras, tem que
colocar o máximo que conseguir no papel. E assim sem ordem? Como
vão entender o que quero dizer? Posso contar que fui tomar café
na minha vizinha, que estava ótimo o café e que continuo sem
inspiração. O rádio hoje não toca nada que fique parecido com
um trilha sonora. E a inspiração, cadê ela? Li outro dia que
um escritor disse que ela chega como uma onda. A minha chega como
um furacão, onde passa vai destruindo tudo. Preciso escrever, se
não ela derruba minha cabeça. E hoje minha cabeça parece tão
centrada no lugar e nada da idéia, simplesmente parece um ovo de
páscoa - oca.
Dois parágrafos e nenhuma palavra aproveitável, nada até
agora. Não disse nada palpável, nada sustentável, apareceu a
rima sem querer. Nada que garanta que alguém vá fazer o
sacríficio de chegar até o fim desse texto. Vai ser o meu texto
menos lido, acho que só eu sei o que estou fazendo aqui.
Escrevendo desordenadamente para cumprir um prazo. Mas e por que
insiste? Sei lá, sou uma teimosa. Morro de sono e preguiça, mas
é algo temporário, um dia sim e outro também. Acorda garota,
escreve curtinho. Não faz parte do meu estilo. Gosto de dar vida
longa às palavras. Santa crase aflita, será que ela cabe aqui?
Eu sinto tanto não ser responsável, não ficar dias maturando a
idéia. Por que sou assim? Tudo de última hora. Eu queria tanto
mudar, prometo para mim mesmo. E no minuto seguinte, falo do meu
parentesco com Pinóquio, sou uma mentirosa.
Vou falar o que sinto quando escrevo; sinto uma sensação de
liberdade como se estivesse andando de moto e meus cabelos
estivessem voando. É assim, como soltar passarinho da gaiola.
Solto minhas palavras e elas saem andando pela linha, correndo de
felicidade porque viraram frases. O relógio vai bater as 12
badaladas do meio- dia, não vou perder o sapato. Vou deixar uma
vírgula no caminho "," se encontrar devolve para a
Princesa Literária, dá um beijo e termina com final feliz. E
viveram felizes pra sempre no Castelo do Texto.
Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.