TARDES DE
SONO E PREGUIÇA
Flora Rodrigues
Entraste devagar, calado com o teu ar de sempre, silencioso e cansado. Encontraste-me sentada no sofá, com a televisão desligada. O rádio passava uma música suave, num tom baixinho, agradável, suave como a própria música. Eu estava a fumar e fitava no meio nada, as formas que o fumo que eu exalava tomavam. Acercaste-te de mim e perguntaste-me: "- O que tens?" respondi-te sorrindo "- Preguiça!". "- E tu?" - perguntei eu, - "- Tenho sono!" - respondeste-me e sentaste-me ao meu lado. Ficámos assim lado a lado. Silenciosos, apenas fitando o fumo que brincavas às formas no ar. Como era bom estar assim, junto de ti, sabendo que o silêncio podia também ser uma forma de amar. Com ar, ainda mais ensonado, do que quando tinhas chegado, afagaste-me suavemente o rosto. E sem falarmos nada, beijámo-nos. Os nossos corpos envolveram-se numa carícia única, num amor sem fim, sem trocar uma única palavra, mas dizendo mais que nunca!
Depois ficámos ali parados, olhando um para outro e finalmente quebraste o silêncio:
"- Estás bem?" - acenei-te que sim com cabeça e puxei-te para o meu lado. Adormeceste vencido pelo sono, mas sorrias de felicidade. Eu fiquei ali acordada, escutando a tua respiração, a melodia suave que ecoava no ar, e tentando guardar para sempre o calor do teu corpo junto de mim. Depois tive sede, levantei-me fui à cozinha buscar água e quando voltei abri a porta da sala... acordei!
Olhei à minha volta, ainda estremunhada, tudo estava como no início. Eu estava sentada no sofá, a música suave ecoava no ar. Acendi um cigarro e comecei a fumar. E ali fiquei, fitando no meio do nada as formas em que o fumo se estava a transformar e chorei. Chorei sem fim, por o sonho, não ser mais que uma recordação. Uma recordação dos tempos em que nem o sono, nem a preguiça eram mais fortes do que o nosso amor. Nada era mais forte do que aquele amor que me guiou para ti, que fez com que eu fosse a tua companheira de jornada, durante tantos anos que lhes perdi a conta. Agora a minha felicidade está presa a recordações. A nossa música, o teu perfume, as nossas gargalhadas, cheiros, sabores e até pequenos sons banais do quotidiano, são estes pequenos retalhos da nossa existência que me deram força para continuar a jornada da vida. Sim, porque agora já só me restam as tardes de sono e de preguiça que me fazem recordar o tempo que estavas comigo e eu... eu era feliz só por te amar. Não sei como nem porquê todas estas recordações fizeram-me sentir o teu perfume no ar. Levantei-me e fui até ao quarto, uma túlipa branca, repousava como por magia, junto da almofada que costumavas usar. Sorri feliz. Tinha sido mais do que um sonho. Tinhas-me ido visitar.
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