MISTÉRIO NA TRILHA
Fábio Luiz

Ainda bem que não inventaram espelhos-falantes. Se bem que, eu juro, de vez em quando escuto um gracejo quando me ponho à frente do meu.

Caminhar na praia de manhã é algo que tento fazer como rotina, embora a preguiça e o sono (Qualquer semelhança com o tema da semana é mera imposição minha) me façam pensar em ficar em casa mesmo. Mas, vencido pelas risadas que minha calça, cúmplice do meu espelho, dá ao me ver tentando fechá-la encarei o desafio de perder pelo menos quinze quilos.

Com o sol nas costas e o peso nas pernas já estava no quinto quilômetro de agonia, digo, caminhada acelerada e desisti. Achei melhor tomar um suco, comer um salgado e voltar pra casa. Parei em frente a um quiosque e já ia fazer meu pedido quando escuto passinhos apressados passarem e uma voz cumprimentar o vendedor com um bom dia apressado.

- Desse jeito vai ganhar da maldita, Seu João! Na volta preparo o seu coco no capricho! - Retruca o Vendedor. Olhou pra mim com um sorriso e resolveu jogar conversa fora. Ou então, como eu tentava recuperar meu fôlego para pedir alguma coisa, ele quis aproveitar o tempo.

- Seu João é um exemplo. Teve um enfarte e o médico lhe disse que precisava parar de fumar e fazer exercícios. Ele vivia sentado pelos bares só comendo, bebendo e fumando o dia todo. O seu apelido era Bicho-Preguiça. Dizia que não tinha motivos pra fazer nada já que sua mulher havia morrido e seu filho, um viciado, não ligava pra ele. Após o susto, esse filho lhe disse uma coisa que o fez mudar da água para o vinho. Ele era mais gordo que você e hoje já está em forma e com o coração melhor do que nunca - Contava empolgado.

O que teria dito o tal filho? Esse mistério e não o comentário a respeito do meu peso me fez suspender o lanche e andar atrás do tal João. Enquanto o alcançava reparava nos seus passos decididos e na sua pele curtida pelo sol e pelos anos de vida. Beirava os oitenta anos e mostrava os cabelos brancos reluzentes pelo suor honroso. Não sabia o que dizer e apenas pude emparelhar nosso caminhar e silenciosamente com um aceno ele aceitou minha companhia.

Andei muito além, devo dizer, do que me era costumeiro. E, confesso, sentia-me bem. A determinação daquele pequeno homem ao meu lado era como um dínamo que gerava energia para quem estivesse por perto. Após uma breve parada nos apresentamos e conversamos um pouco enquanto voltávamos ao quiosque. A história contada pelo vendedor foi confirmada e revelei que estava curioso a respeito da conversa que o fez mudar de vida.

- Quando enfartei, meu filho disse que não queria perder o pai como havia perdido sua mãe e que precisava de mim vivo ao seu lado e bem de saúde. Além disso, prometeu largar os vícios e abrir um negócio para me ajudar em casa - Disse num sorriso claro de quem tem o filho perdido de volta ao lar como na parábola tão conhecida.

Sorri de volta e chegamos ao quiosque, sendo agraciado com uma água de coco que João fez questão que eu tomasse para repor minhas energias e não minhas calorias. O vendedor ria dizendo que era bom ver João com uma companhia para perder as "gordurinhas".

Era hora de voltar ao meu lar e, claro, ao que escrevo agora. Tinha já uma idéia na cabeça e a conclusão dela me veio no momento da despedida. Prometi caminhar novamente no dia seguinte ao lado de João e tomar mais uma água de coco no quiosque.

- Com certeza estaremos aqui amanhã! Não é mesmo meu filho? - Disse João olhando para o vendedor.

A piscada de Jonas, o vendedor, deu fim ao mistério. E assim começou mais uma amizade num dia em que percebi que um bom motivo é o que precisamos para vencer as barreiras que tão preguiçosamente colocamos à nossa frente.

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