SHOW
POR NADA
Beto Muniz
Um
bando de gente, artista ou não, fazendo nada na televisão
deveria ser um programa insosso, mas é o deleite noturno duma multidão
de assalariados brasileiros. É um tal de dormir, coçar,
deitar, espreguiçar e comer que não justifica tanto ibope.
E pensar que para viverem nessa mordomia toda os tais recebem cachê
e ainda podem ganhar prêmios fabulosos, carros, fama, mais fama
e um edredom de lembrança.
O show da vida ao vivo invadiu a televisão com suas mansões, redes de intrigas, artistas obscuros e anônimos famosos. Todos com cara de sono e de preguiça durante o dia e de festinhas e conluios à noite. Há choros, risos, manias, imitações e histerias. As câmeras registraram e os apresentadores já comentaram sobre a mocinha que enfia o dedo no nariz o tempo todo; a moçoila que enfia o dedo na garganta após as refeições; o casal que enfia suas intimidades embaixo do edredom... Só não tocam no assunto das encaraspadinhas. Pode ligar a TV e prestar atenção: Indiscriminadamente os machos na vitrine da vida vivem encaraspando. O sujeito para de babar, acorda e nem disfarça, vai direto pra rede na varanda e fica ali, sonolento admirando a água azul, o sol amarelo, o biquíni verde estendido languidamente à beira da piscina e nem percebe que começou a encaraspar... Sem sacanagem ou erotismo (por mais que a loira dentro do biquíni verde seja sexy), apenas reproduzindo automaticamente um cafuné preguiçoso. A encaraspadinha é mais automática que ele. Não estou criticando, até penso que encaraspar, assim como o daltonismo, é uma peculiaridade masculina. Acredito ainda que não seja uma simples mania; é algo genético e qualquer dia destes algum cientista vai identificar e mapear o gene que faz o homem sentir necessidade em encaraspar. E mesmo que porventura não haja ligações genéticas, o fato é que todo macho primata é um encaraspador pela própria natureza. Alguns mais distantes de suas origens estão domesticados pelas censuras e esqueceram esse ritual, mesmo assim, antes de dormir e depois de acordar, é fatal uma involuntária encaraspadinha. Aliás, nossa espécie deveria ignorar as censuras femininas e valorizar a satisfação primordial. E ainda arriscando provocar a fúria de alguma feminista, vou acrescentar que a censura existe porque mulher alguma consegue encaraspar, pois há que ter também habilidade. Não é simplesmente pegar e coçar. Tem que haver anos de intimidade com os drops antes de dominar as técnicas do encaraspar. Se o leitor ainda não descobriu, eu confesso que estou com preguiça de procurar o termo correto e "encaraspar" foi uma palavra que escolhi ao acaso. Encaraspar, neste caso, é a popular coçadinha nas jóias da espécie masculina. E o que tem demais uma coçadinha no drops que mereça uma crônica? Ora, ninguém coça por coçar! Sempre há que se ter tempo sobrando e uma certa modorra para que seja realizado o ritual com a maestria e delicadeza inerente à região. Até existe uma expressão bem popular que comprova a intimidade do sujeito "boa vida" com a encaraspada: "Fulano vive coçando o saco". É claro que o popular incorporou a citação após inúmeras ocasiões onde o indivíduo era flagrado encaraspando preguiçosamente, mas nesse tempo ainda não havia câmeras por todos os lados. Eu, por dois mil seiscentos e oitenta e nove salários mínimos, não ficaria "avexado" em ser filmado vinte e quatro horas por dia. Só mudaria o ambiente que não gosto muito de mansões como as que aparecem na televisão. Prefiro uma chácara com riozinho ou lago limitando uma das laterais ou o fundo. Uma churrasqueira bem ao lado do lago, ou do riozinho para eu ficar com os pés na água pescando piaba e vigiando a picanha... Um cenário bucólico, de retorno às origens mesmo. Aliás, tenho esse sonho (padrão entre moradores de cidade grande) de abandonar a civilidade que me torna um covarde diante dum reles inseto e construir um local repleto de natureza selvagem com a ajuda de profissionais em paisagismo, arquitetura e elétrica. Uma casa no campo. Local perfeito para longos sorvos nas tetas da mãe natureza. De preferência nos finais de semana. Durante a semana esse espaço selvagem ficaria disponível ao caseiro/jardineiro, cujas atribuições seria manter os insetos distantes da casa, as telas nas portas e janelas intactas. Também desfazer teias de aranhas e formigueiros, além de manter a grama baixa. Minha urbanidade não permite incorporar ao sonho nada mais que o lago, frondosas árvores frutíferas aonde pássaros gorjeiam e grilos cacarejam... Ops, quem cacarejou foi uma galinha que acaba de fartar-se com o inseto... Pensando bem, neste meu sonho faltavam as penosas ciscando no terreiro. Nada de cães! Neste cenário eu acrescentaria uma rede para encarapitar-me nela e dormir fazendo cafuné nas regiões pudentas. Não deixaria crescer as unhas, que para uma boa encaraspada preciso delas bem aparadas. A do mindinho até que poderia deixar crescer, já que bastam três dedos a cutucar lentamente, indo e vindo preguiçosamente por entre os pentelhos... Acho melhor parar com esse assunto numa crônica de família ou serei descartado pelos agenciadores de candidatos ao Reality Show. Se bem que os apresentadores das atuais bizonhices estão mais é torcendo para que os participantes se ocupem, que enfiem os dedos no nariz, na goela ou em qualquer outra região onde possam focalizar com uma lente de filmadora. Até vinte minutos atrás milhões de brasileiros também estavam torcendo por isso, penso que sou o único que estava irritado enquanto a TV exibia o duelo BBB x Casa dos Artistas. Isso porque fiquei preso no trânsito da cidade grande alagada e não assisti aos programas. Aposto que não aconteceu nada, só um tal de dormir, coçar, deitar, espreguiçar e comer, que nem justifica o ibope. Acho até que enquanto repassavam os trinta minutos de imagens que apresentariam ao público, a dupla Bial & Abravanel estavam diante do monitor com uma mão no controle de edição e outra no drops, tortos, na maior indolência, encaraspando. |