PARÁBOLA DE BOTECO
(ou A NÃO
-SEI-QUÊ DO OSWALDO)
Ubirajara Varela

Alguém já tomou um gole da afamada birita do boteco do Oswaldo? A não-sei-quê mais conhecida da região? Quem não provou, está perdendo. Levemente amarelada, aroma inigualável, encorpada, parece até que se trata de um finíssimo Bourbon. Mas não. É coisa nossa, brasileira. Feita logo ali. Nos alambiques do interior das Minas Gerais. Nas proximidades de Diamantina.

- Direto do fabricante para o seu paladar- É assim, com trato de produto de primeira linha, que o Oswaldo conquista a sua freguesia. E ele dá até prazo de garantia: se em quinze minutos a água-de-briga não desmanchar o samba, outro requintado atrativo de seu boteco, o estabelecimento não cobra de nenhum dos presentes. Acontece que até hoje a aposta nunca falhou. É gole pra dentro, mesa pro alto. O samba acaba, o tempo fecha e o Oswaldo sorri. Porque o dinheiro no caixa entra e a decoração do recinto se renova.

Porém, um dia baixou no boteco do Oswaldo, vindo lá de Beberibe, um renomado apreciador de sumo-de-cana. Segundo consta, não há cachaça neste mundo onde o diabo anda que abale Jacinto Goela de Ouro. Inclusive, dizem as línguas que o sujeito é parceiro de gole do canhoto. E de cada dois tragos, um ele dedica ao quim-quim.

Neste dia, quando Jacinto apareceu no Bar ou Ímpar (é este o nome do bar, em homenagem ao poeta), o lugar estava cheio. Lotado. Havia apenas uma mesa livre, num canto bem ao fundo, onde o Goela de Ouro se sentou.

Oswaldo aproximou-se com a simpatia de costume, deu-lhe boas-vindas e perguntou como poderia servir o cidadão.

O "bom de copo" disse que provaria a Cajarana; o marafo tão renomado. E o dono do bar deveria trazer a garrafa inteira. O pagode fez um breque, claro. O silêncio tomou conta do recinto.

- Fazia tempo que não aparecia por aqui um senhor de coragem...

- Melhor dizer um tolo dos grandes. - cochicharam dois fregueses assíduos.

Oswaldo, atendendo ao cliente, pronunciou que lhe traria a bebida sem demora.

Jacinto tirou um caneco de dentro do paletó, foi servido e virou o conteúdo num fôlego só. Pediu mais uma dose, num outro copo, deixando-a no canto da mesa. Era o gole do seu compadre.

A apreensão começou a crescer, quando passaram os quinze minutos, e o cliente já estava engolindo a décima oitava rodada.

- É um absurdo! Tem malandragem nisso aí. - proferiu o empresário dos copos, meio furioso, outro tanto desconsertado.

Dirigiu-se até o cliente e pediu que se retirasse do local, dizendo não permitir aquele tipo de freqüentador ali. Afinal, tratava-se de um boteco de respeito.

Jacinto sorriu.

- Não vou sair. Eu vim aqui para beber, como todos os outros. O senhor me sirva mais um trago desse capote-de-pobre, por favor.

- Tudo bem! Eu sirvo, sim. Mas com uma condição. Que o distinto me diga qual é o truque. Por acaso são estas doses que o cavalheiro põe de lado, como se bebesse com um amigo?

- Não tem truque nenhum. Veja bem... Estes copos aqui são, digamos, uma promessa que estou pagando. A verdade é a seguinte: ainda não fizeram uma cachaça que me ponha fogo. Deixe de conversa e sirva-me logo!

- Primeiro, diga qual é a mutreta. Ninguém pode com a minha caninha! Eu não entendo...

Todos comemoraram quando Oswaldo deu-se por vencido e encheu a caneca de Jacinto mais uma vez.

- Bebam. É por conta da casa! - disse aos prantos.

O vencedor da aposta virou neste momento todos os copos no canto da mesa, os quais reservara até então. Levantou-se cambaleante, mas vitorioso. Com a roupa toda encharcada de cachaça, despediu-se dos demais, saindo rápido, sem olhar para trás.

E foi assim que Jacinto Goela de Ouro faliu mais um bar por onde passou. Vocês devem estar esperando a moral da história. Uma parábola deve ter conclusão, certo? Pois bem. A moral é a seguinte: em caneco furado, não pára marafo (é o caso de Jacinto). Ou ainda: quem não tem dinheiro, conta história (é o meu caso).


Glossário:
* cachaça: aguardente que se obtém mediante a fermentação e destilação do mel ou borras de melaço. Sinônimos: não-sei-quê, água-de-briga, desmancha-samba, capote-de-pobre, água-que-passarinho-não-bebe, engasga-gato, marafo, cajarana, perigosa, tira-teima.
* diabo: 1) demônio; 2) o chefe dos demônios, geralmente meio homem, meio bode; 3) pessoa esperta, sagaz, astuta. Sinônimos: capeta, cão, não-sei-que-diga, o-que-não-se-nomeia, canhoto, quim-quim, coisa-ruim, sapucaio, sujo, temba, mofino, compadre.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.