SUPERIORIDADE
URBANA
Juraci
Era sempre assim.
Aquela fila de metal motorizada, a perder de vista. Eu tinha que enfrentá-la todos os dias bem cedo.
Naquele sábado, escolhi o mais bonito, o mais possante. O mundo me abraçou muito jovem, com cinco anos apenas, ou antes. Como mestra, a minha mãe que sempre me arrastava entre um carro e outro. Continuei com o ofício após sua morte sob um automóvel, que acredito ter se arrancado apressado, de propósito. Continuo lá, mesmo já rapazinho. Os motoristas - os de carros importados - não gostam de nós. Percebo. Logo que eu completar doze anos, vou para o projeto "Bom de Bola," da Associação.
Pensei parar de mendigar mais cedo naquele dia mas, foi aí que me enganei.
A resposta brusca veio no olhar amargo amparado pelo vidro quase fechado.
A mão não se estendeu e eu fiquei com o meu descanso adiado.
Escolhi outro carro e mais outro...
Eram muitos. A fila era quilométrica... Dificilmente o dia me acompanhava para casa.
E aquele dia era especial.
Precisava fazer um ato de bondade, apesar de não tê-la encontrado.
No caminho para esmolar no trânsito, num beco sujo um homem vendia pássaros contrabandeados.
Um chamou-me a atenção com piedade. Era lindo e amarelinho. Ele até ensaiou um canto para mim. Canto triste, saudoso, talvez da companheira, da natureza, da liberdade. Tinha afinidades comigo. Ser livre...
Ele preso na gaiola imunda enferrujada e eu no trânsito violento, em busca do alimento que naquele momento, não era prioridade.
Queria comprá-lo e abrir sua porta de liberdade. Pelo menos a dele... Ainda não será hoje. Amanhã talvez. Não sei que o fez elevar tanto o preço do animalzinho. Pudesse comprar todos e devolvê-los à mata...
"Podia denunciá-los, mas primeiro salvarei o Amarelinho."
Passados cinco dias, já com o total completo, corri para comprar o prisioneiro. Decepção. Já fora vendido. Logo ele, o lá do fundo da gaiola, o tristonho. Quem poderia querê-lo além de mim? Como se adivinhasse o meu pensamento, obtive a resposta:
"A madame levou o seu preferido. Você demorou e ela pagou o dobro. Disse-me que era para pular na gaiola para despertar a sua gata preguiçosa. Granfina você sabe, né?"
"Então ele vai ser petisco para gato?"
"Para mim tanto faz. Quanto mais rápido vender, menos perigo com os fiscais do Ibama."
"Sabe o endereço da compradora?"
"Pra quê? Procure seu lugar menino. Vá embora. O mundo é de quem pode."
E eu fui, arrasado e decepcionado, olhando em todos os cantos, becos e ruas, onde pudessem haver uma gaiola com um Amarelinho.
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