NOTÍCIA
DAS ARÁBIAS
Beto Muniz
"Segunda-feira, 11 de março de 2002: Polícia religiosa árabe impediu resgate de meninas no incêndio em uma escola em Meca, cidade sagrada para o Islamismo, provocando a morte de 15 delas. O jornal Al Eqtisadiah informou que os bombeiros se desentenderam com membros da polícia, conhecidos como mutaween, por terem impedido que as meninas saíssem do prédio em chamas porque elas não usavam lenços na cabeça e nem os abayas (vestidos negros), obrigatórios para as mulheres do país. Uma autoridade civil disse ao jornal Al Eqtisadiah ter visto membros da polícia religiosa espancando as garotas para impedi-las de sair da escola porque não usavam os abayas. Os temidos mutaween patrulham as ruas com bastões e zelam pelo cumprimento das regras de vestir, pela segregação sexual e pela realização das orações na hora certa. Os que desobedecem são espancados". Duas coisas têm o poder de restaurar o meu bom humor e a fé de que os homens ainda têm salvação: doce de leite e chocolate branco. Em contrapartida, uma coisinha de nada me tira do sério e instala a revolta no meu coração: Deus. Poderia pensar que Deus não existiria se não fosse a fé que cada qual tem Nele e em Seus poderes, mas Ele planejou tudo tão direitinho durante a criação do mundo, que agora tem vida ou existência própria. E não ouso imaginar Seu extermínio mesmo que seja revogada toda fé depositada Nele. Atualmente acredito piamente que Deus existe independente de nós e de nossas crenças. Ou descrenças. Deus veste inúmeras fantasias mundo afora. Uma delas é aquela com que se apresentou ao profeta e ofertou-lhe uma série de doutrinas a serem seguidas por todos que quisessem se livrar do fogo do inferno. Desse encontro surgiu uma religião e, de posse da oferta Divina, os homens passaram a impor a nova doutrina, punindo qualquer deslize com chibatadas ou até mesmo com a morte. Não vou entrar no mérito político e financeiro da questão, tanto porque faz muito tempo que cultura e tecnologia, religião e ciência encontraram seus meios-termos e convivem bem, mas atualmente os homens que vivem na retidão radical das palavras do profeta causam rebuliço na Terra e cometem horrores em nome de um Deus fantasiado segundo suas conveniências. Também pode parecer filosofia barata dizer que apesar de toda globalização o corpo e o espírito ainda são castigados em algumas bandas do mundo por conta de costumes e religiões, por isso eu fico matutando sem expor meus pensamentos: quando foi que Deus autorizou a polícia da Arábia Saudita a impedir que quinze alunas de uma escola em chamas saíssem para a rua e se salvassem? Se perguntado, pode ser que alguém respondesse que Deus algum aprovaria esse despautério, mas eu digo que Alá deve aprovar, pois se elas pereceram por não estarem adequadamente vestidas e com seus véus sobre a cabeça! "Mereceram morrer pelos seus pecados", diria algum fanático. Outro, menos fanático, e não por isso mais cético, poderia atropelar minha linha de raciocínio alegando que "não foi Deus quem manteve as meninas presas na escola até que elas morressem queimadas". Mas elas não seriam impedidas de sair das chamas caso Alá se tivesse abstido de informar ao profeta que Ele considera errado a mulher se apresentar em público mostrando sua figura. Quanto de sacrifício será necessário para que o Criador deixe em paz a sua criatura? Ele não é onisciente? Deveria prever o resultado antes de sair por aí dizendo que toda mulher deve cobrir sua beleza com um véu... Ora! Quem garante que essas quinze meninas eram bonitas? Aliás, alguém cogitou a hipótese de que elas estivessem prestes a expor suas feiúras? E se alguém provar que metade delas eram meninas feias, corcundas, estrábicas e banguelas? Não importam mais os aspectos físicos das quinze moças. Agora elas estão salvas, não expuseram suas figuras e não vão arder no fogo do inferno, até porque já arderam no fogo da escola. Deus! Recebo notícias de verdades absolutas proclamadas em Seu nome, ou de uma fantasia qualquer que tenhas vestido, e sinto meu coração cheio de amargura. A cada dia, mais me apresentam suas inúmeras faces e menos eu O vejo. Tento compreender Seus desígnios e mais me invade essa angústia de não entender, de um não sei quê, de estar repleto de nada. Nessas horas eu me apego a uma barra de chocolate branco ou a um pote de doce de leite. Não é apelação, é que me abranda a alma pensar que foi o homem quem criou essas delícias. Talvez às tenha criado em contraponto aos Teus castigos. Talvez não. Mas, na dúvida, louvado seja o doce de leite. |