MEU REINO POR UM NACO DE PÃO
Rosi Luna

"Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo", disse Ricardo III.

Se fosse um jogo de múltipla escolha, o que você escolheria: Pobreza ou Realeza?

Vamos ver as vantagens da pobreza, pois a tendência a escolher realeza é bem mais promissora. Quem sabe se você conhecesse o Neco, talvez sua opinião mudasse. Não vou dizer que ele era um mendigo, que acho muito degradante, melhor usar o termo largado. O Neco era um largado, vivia protegido pela marquise da padaria. E pra ser mais exata, estava lá na soleira da porta quando o padeiro chegava para botar o carvão no forno.

O Neco não escovava os dentes, não tinha contas a pagar e tampouco obrigações. Bens? Morava no que era seu, afinal a rua é pública. Ele era bem econômico com água, acho que jogava uma chuveirada no corpo uma vez por mês. Talvez quando ele ia encontrar aquela figura feminina descabelada que amanhecia debaixo do cobertor com ele.

O Neco era feliz, enchia a cara com pinga, ele era viciado. Não parava de beber nunca. Óbvio que ele tinha barba, já viu mendigo barbeado? Desculpa, ele era largado, pedia uma ajuda ali, outra acolá, mas tinha momentos em que estava tão entretido com seus nacos de pão que nada mais parecia importar. O Neco tinha uma coisa que me dava inveja: ele era totalmente livre, tinha a mulher que queria. Comia o que o acaso lhe oferecia e amava sobre um cobertor que se movimentava a noite toda. Aquela mulher dele, a descabelada, com certeza nunca foi a um salão de beleza dar um trato. Mas ficavam bem combinados os dois, com aquele emaranhado alegre de cabelos na calçada, sentados e rindo da vida.

Quer saber as vantagens da pobreza? O Neco nunca vai aparecer na Forbes como o homem mais rico do mundo, nem na lista de possíveis seqüestráveis. Garanto que também não haverá briga na partilha de bens: ele deve deixar o cobertor usado para a última mulher que dormir com ele.

Agora, que tal falar da riqueza atual? Quem sabe você conhecia o Frederico Almeida Gomes Oliveira de Bragança. O sobrenome foi comprado para ostentar o berço de ouro falso. Seu grau de instrução era alto, em universidades de terceira categoria, mas ostentava todos os diplomas possíveis. O Frederico só usava ternos importados, Armani de preferência. Sapatos de cromo alemão. Claro que escovava os dentes com pasta importada, pois achava que o hálito não se ambientava com nenhuma marca nacional. Ele usava barba, por puro charme e porque nunca parou pra ler o manual de instruções do seu barbeador elétrico. E seu vício era fumar charutos, aliás cubanos. Todo poderoso faz isso. Não acredito que todos gostem. Alguns sim, e outros agem por pura imitação, coisa mesmo de o homem ter vindo do macaco.

E quanto à vida amorosa do Frederico, é tão delicada que nem sei se toco na ferida, digo, na metida. Era uma mulher de fachada, educada e rica. Ele espalhava aos quatro ventos que era realizado no casamento, puro disfarce. Esqueci de contar: o Frederico tinha tudo que a riqueza podia dar: casa com piscina, apartamento no litoral, carro importado e conta bancária com saldo positivo. Como todo homem rico, não tinha tempo para balançar o edredon em noites de amor com aquela mulher cujos fios de cabelo pareciam uma vassoura de tão retos. A conta do cabeleireiro chegava todas as semanas e ele pagava com raiva. Queria tanto vê-la de cara lavada e cabelos molhados e ela não permitia. Mulheres de sociedade são assim, peruas por natureza e emperiquitadas com certeza. O Frederico não era livre, tinha compromissos todos os dias. Não amava a sua dita esposa, movia um desejo secreto por um amor que estava fora de sua redoma de posses. O Frederico achava que o prestígio tinha que estar acima de tudo, até dos desejos do coração.

Ele não era feliz, apesar de toda fortuna, dava pra ver isso no olhos dele. Ele sonhava com aquela mulher dia e noite. Ela não tinha nada de especial, era uma mulher comum. Exatamente aí ela começou a ser importante pra ele, esse era o diferencial dela - a simplicidade. Mas ele não trocaria toda sua segurança e estabilidade por um momento de prazer de verdade. Sabe por quê? Os ricos são sempre muito covardes. Isso era coisa para o Neco, que diria "o meu reino por um naco de pão". E que Ricardo III, que nada; que cavalo. Um naco de pão, uma barriga e uma lua cheia, e daria pra ser o rei do mundo. Não queria falar em rima, mas Neco e naco rimam com pitaco, então lá vai o meu.

Mas falando de hipóteses entre a pobreza e a realeza, ficaria com o meio-termo, com a vontade de trabalhar e ter o que é justo. Não acredito que um rei seja o mais rico, o mais poderoso: um rei pode ser um largado, que é livre para amar sob um telhado de estrelas.

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