O REI
Reinaldo de Morais Filho
Estava cansado quando saí do vagão na
estação de metrô. Olhei com desânimo a escada. Um senhor
negro assoviava em minha frente, segurando uma maleta de couro.
Uma figura exótica. Andava com a alça da maleta enrolada no
braço direito. No outro, uma grossa corrente prateada. E mais
bijuterias de mesmo estilo em volta do pescoço, um brinco
indecente na orelha.
Sua nuca estava encoberta pelo cabelo crespo, que deixou crescer
em estilo black power. A calvície corroeu a parte anterior,
deixando à mostra uma longa testa brilhosa.
Andava com as pernas arqueadas, em uma curvatura côncava, de tal
inclinação que os tornozelos quase arrastavam a porção
interna contra o piso. Balançava os quadris, para acompanhar o
peso do corpo e manter o equilíbrio.
Assoviava. Isso eu não podia evitar, pois o sopro que saía dos
seus lábios pressionados ecoava nos cantos mais intocados da
estação. Ressonava na caixa auricular da minha pessoa.
Estávamos na Estação Central. E nos poucos momentos em que
pude ver o piso, percebi a sujeira, a fuligem, o lodo que escorre
dos sapatos que marcam o mármore a cada momento.
Uma profusão de pessoas passa sob aquele prédio a cada segundo.
Tropecei em uma velha, pisei em um mendigo, esbarrei no carrinho
de brinquedo de uma criança. E não me perdi do tal homem.
Àquele instante, o cansaço mesclou-se à curiosidade. E segui o
senhor-negro-exótico por inércia. Até ele chegar na Praça da
República. Já era final da tarde.
Monet poderia ter visto o céu de baunilha daquela Praça,
naquele fim de tarde que encontrei diante de meus olhos. Se eu
soubesse pintar, seria este quadro. Vanilla Sky.
Sentou-se em um banco, próximo a uma gruta, cercado de pombos
cinzas, de gatos malhados, patos manchados. Árvores de troncos
grossos e copas fartas lhe davam sombra, contra os parcos raios
que o resto de sol derramava.
Observei a uma certa distância que o velho abriu a mala e
alcançou um saco de alpiste. E placidamente, distribuiu a
ração aos mais aventurados. Sem calar a música suave que lhe
escapava da boca.
Um pássaro mais ousado chegou até seu ombro, beliscou a orelha
do homem, cutucou a cabeleira como se ali encontrasse o ninho e
acomodou-se. Assoviou em resposta, comunicou-se em uma linguagem
abstrata: da música, do assovio, do sorriso, da simplicidade.
No cair da noite o velho levantou-se como se um rei fosse saindo
do trono. Ajoelhei-me diante da sabedoria de Sua Majestade.
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