PEQUENA HISTÓRIA DE REX
May Parreira e Ferreira

A casa - A casa de minha avó numa pequena cidade do interior paulista era uma casa de avó de qualquer cidade do interior. Uma verdadeira casa de muitos interiores, porões, salas, e pessoas todas reunidas, as pessoas não as salas, a mesa encabeçada por um avô português, muito alto, bigodes e cabelos bem branquinhos e uma avó pequenina, ágil e de palavras poucas e corretas. Meus tios eram três homens e seis mulheres. Mesa de refeições com muitas cadeiras para a família mais agregados, fora os que lá trabalhavam. No terreiro ficava a criação, animais domésticos e para o abate.

O portão que liga, ainda, o terreiro da casa ao jardim sempre precisou permanecer fechado, era ordem do tio mais velho. Jamais deixem o portão aberto, a voz do tio está impregnada na minha memória. Só depois adulta soube a razão, da ordem não da memória.

O tio - Meu tio mais velho sempre foi, até sua morte, o chefe executivo da família. Médico, severo, um costumeiro cenho franzido, não se casou nunca. Dirigia a vida das irmãs, discutia com os cunhados, ralhava com os sobrinhos mais atrevidos, e dedicava a alma zelando por minha avó depois que enviuvou, a avó não o tio. Cidadão dos mais respeitados, seu único divertimento era a pescaria nos finais de semana à beira do Tietê ou as caçadas, e para isso existiam na casa, cães farejadores que se sucediam.

Houve o Duque, que quando fugia, os comerciantes locais fechavam as portas, pois o cão era bravo e furioso e o portão devia estar trancado, para o bem-estar dos vizinhos. O Nero que, no descanso das caçadas, ajudou Bá a tomar conta de mim e para o bem estar das crianças, o portão deveria estar trancado. Houve outros de que não lembro os nomes. E o Rex.

O Rex - De todos os cães, o Rex foi o melhor levantador. Grande, imponente e um faro incomum, o cão não o tio, fez história na cidade e marcou a história da família. Por ser um excelente farejador, não era, a rigor, afastado de suas funções no campo. O tio se gabava do cão durante as caçadas, mas tratava de escondê-lo o máximo possível dentro da casa, pois na cidade era o cão motivo de vergonha para o tio. E ele tinha suas razões, porque não podia decepcionar os que o consideravam, o tio não o cão, modelo de austeridade.

Há-de imaginar-se a confusão formada quando o Rex conseguia fugir, uma vez que ele não queria saber de alguma ave urbana, fossem galináceas ou codornizes. O que ele gostava mesmo era de arrumar namorados, com ou sem pedigree, na praça da Matriz, diante de um público atônito.

Contam meus primos mais velhos que o tio ficava sem graça de sair à rua depois da fuga de seu cão, era sempre um sobrinho quem o buscava, o cão não o tio. O machismo e o orgulho do tio se curvavam diante do fato de que seu excelente caçador era, perdão ao lugar-comum, um perdigayro.

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