O FIM DO LOUCO REI
Mairy Sarmanho
Era uma vez um rei. Ou, pelo menos, um
louco que se achava rei. Ele morava numa casa tipo classe média,
com mais três irmãos, os quais considerava plebeus. O rei
nasceu louco, seja por concepção, genética ou criação, não
se sabe. Sabe-se apenas que era louco desde o início dos tempos.
Fazia tudo o que de errado era possível: tentou matar os
irmãos, matou seus animais de estimação, bateu na mãe, na
avó, ameaçou o pai e transformou a vida de todos num inferno.
A única coisa que o rei não sabia, era que dos três irmãos,
um era mais especial do que ele. Não era rei, nem plebeu, era
apenas especial. Especial porque Deus o fez assim, deu-lhe
poderes divinos, de criação e de adivinhação, de sabedoria e
de condenação. Esse irmão era mais novo do que o rei, e dentre
todos os que habitavam aquela casa, era o único que tinha
absoluta certeza dos erros dele.
O irmão especial sabia da crueldade do rei, e de como isso iria
evoluir no futuro. E tinha vontade de bani-lo para sempre, mas
era sempre contestado por todos os familiares, que achavam o rei
merecedor de mais uma chance. Esse irmão sabia que, cada vez
mais perderiam todos a chance de serem felizes. Mas, como santo
de casa não faz milagre e o rei sempre tem razão, esse irmão
era ridicularizado e quase banido do convívio familiar.
O tempo passou. O rei roubou uma mulher mãe de três e afastou-a
de dois. Ficou com um ao qual maltratou o tempo inteiro e depois,
fingindo acidente, matou-a e feriu a criança. O rei ficou como
vítima, mas o irmão especial sabia que não era esse o papel
correto: o rei era o algoz. Tentou dizer isso aos familiares, mas
ninguém ouviu. Todos preferiam ver o rei no papel de vítima. E
o irmão foi ridicularizado e jogado para escanteio.
O tempo passou ainda mais. O rei envelheceu, matou a avó de
desgosto e o pai por gosto. E diz-se herdeiro único do castelo
(que nem castelo era, era apenas uma casinha comum no alto de um
morro qualquer), massacrou a mãe, matou o sentido de ser do
irmão especial, ameaçou os outros irmãos e começou a mostrar
a todos seu perfil de crueldade.
Foi então que todos perceberam que o irmão especial,
infelizmente, tinha razão. E se revoltaram. Prenderam o rei em
outro castelo, arrancaram seus olhos, suas mãos, seus pés, sua
língua e desacataram-no todos os dias, até o fim dos tempos.
Não obstante, o irmão especial se retirou e foi viver sua
própria vida. Conseguiu sucesso, familia, dinheiro e um pouco de
paz. Se um dia o rei fugir do castelo, pensava enquanto devorava
um delicioso brócolis, eu o mato com minha pistola de fogo.
Não sei dizer se algum dia o rei fugiu. Nem sei se o irmão o
matou. Sei apenas que havia muita coisa para ser dita e não foi,
muita coisa para ser cobrada e não foi, muita coisa para ser
compreendida e não foi. Por que? Porque dentro de um castelo, de
uma casa, de uma vila, de uma cidade, ou de um país, quem manda
é o rei e nunca costumamos ver se existe alguém especial
enviado por Deus para nos mostrar o caminho certo.
Em terra de rei, todos somos cegos!.
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